Mostrando postagens com marcador pensador espírita. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador pensador espírita. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Nós e a intolerância por Reinaldo di Lucia

Aconteceu em abril último o X Fórum do Livre-Pensar da Baixada Santista. O evento, organizado por sete entidades espíritas de Santos e região, todos ligados à CEPA, é realizado anualmente e objetiva colocar em debate temas atuais e, de certa forma, polêmicos. Os palestrantes, convidados, são instados e falar tendo como base uma ementa previamente proposta, observando os temas à luz da doutrina espírita.

foto - Reinaldo Di Lucia


Neste ano, a proposta do evento foi discutir a intolerância, nos aspectos político, religioso e científico. Foi o que fizeram os convidados, analisando historica e teoricamente como se apresenta o sectarismo intolerante ao longo dos séculos. Apesar de não ter havido grandes debates, já que os palestrantes tinham pontos de vista semelhantes, algumas conclusões interessantes podem ser extraídas do evento. Vamos a elas.

A conclusão mais básica é que, uma vez que a tal intolerância aparece sempre que o ser humano sente-se ameaçado em seu conhecimento, sua posição social ou em suas ideias por outros, ela existe desde que o homo sapiens surgiu. Mas, de alguma forma, observamos que esse sentimento se potencializa quando entra em cena uma suposta ameaça ao patrimônio ou a vontade de apoderar-se do patrimônio alheio. Então, o motivo aparente é ideológico, mas a base é quase sempre econômica.

Em segundo lugar, mesmo com os problemas que o sectarismo político trouxe ao mundo, as piores atrocidades sempre ocorreram (e continuam...) graças à intolerância religiosa. Por mais paradoxal que isto pareça, é muito fácil justificar a violência contra o outro jogando a culpa na revelação divina de sua própria religião.

E nem aquela disciplina que o senso comum associa à busca incessante pela verdade, doa a quem doer, escapa. Na ciência, a tendência ao conservadorismo, principalmente pelo receio de perda do status – e consequentemente do financiamento de pesquisa – leva fatalmente à desqualificação de qualquer ideia diferente daquela do paradigma vigente.

Lembram do nosso amigo Allan Kardec? Ele já avisava, desde o Livro dos Espíritos, que os principais inimigos da humanidade eram o egoísmo e o orgulho. E esses dois vícios levam, fatalmente, à intolerância. Mas, infelizmente, nem mesmo a doutrina espírita escapa. A intolerância dos espíritas, entre si ou com relação a outras formas de pensamento, não chega à violência física, mas estão cheias de ataques pessoais de brigas pelo poder e de um tipo de arrogância intelectual (“o Espiritismo já está onde os outros ainda vão chegar”) ufanista absolutamente injustificável numa doutrina que se pretende progressista.


O combate à intolerância só pode ser feito individualmente, porque é totalmente interno. Por mais que entendamos isso na teoria, a prática é uma luta constante contra alguns sentimentos obscuros que todos temos em nós. A ética espírita ajuda, mas a decisão é sempre nossa. 

Artigo publicado no Jornal ABERTURA de Santos em Maio de 2015

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Um ano sem a presença física de Jaci Régis - por Egydio Régis


Em homenagem a esta pessoa que fundou o ICKS, o Jornal Abertura e tantas outras atividades publicamos algumas palavras proferidas por seu irmão Egydio Régis e publicadas no Jornal Abertura na edição especial de Janeiro-Fevereiro de 2011.

Irmão coragem
Ainda me lembro daqueles tempos em que usava calça curta, aos dez anos de idade (imaginem!) quando começava a freqüentar as aulas de evangelho no Centro Espírita Manoel Gonçalves. A Juventude Espírita de Santos acabara de ser fundada (1947) e eu via os jovens como meus ídolos, liderados por personagens inesquecíveis, verdadeiros “monstros” sagrados de minha infância: Alexandre Barbosa e Isaura Perrone. Meus irmãos Ivon e Jaci faziam parte do grupo, juntos com outros inesquecíveis ícones de meus dez anos: Armando, Maria, Maria Nilce, Irene, Antonio Garófalo, Quinzinho e outros de quem não me lembro os nomes. Todos religiosamente entusiasmados pelo grande líder que era o “seo” Barbosa. No meio deles alguém já começava a aparecer, primeiramente pelo tipo físico dos seus quatorze anos e pelos cabelos rebeldes e calças largas. Cheio de idéias e irrequieto logo começava a dar claros sinais de que iria “incomodar” bastante o meio que era coordenado e orientado pelos mais velhos. A primeira atitude foi apoiar e incentivar o desligamento da Juventude (hoje Mocidade Espírita Estudantes da Verdade) e seus orientadores, do Centro Manoel Gonçalves, por incompatibilidade com a direção que desejava impor algumas regras na condução dos trabalhos dos moços. Barbosa e Isaura, assim como os demais Perrones acompanharam a mudança para o então pequeno grupo espírita – Centro Beneficente Evangélico- localizado na rua Rio de Janeiro.

 Aí começa toda a história desse revolucionário, idealizador, criador e apaixonado kardecista. Determinado e acima de tudo de uma coragem jamais vista no meio espírita. Liderou, contra a vontade dos então dirigentes do Centro Beneficente Evangélico,a primeira alteração da denominação dessa entidade, acrescentando o nome Espírita e, posteriormente, para Centro Espírita Allan Kardec.

Assumiu, por volta dos seus 19 ou 20 anos, a presidência do CEAK, iniciando uma verdadeira revolução nos métodos de estudos da doutrina e na filosofia de trabalho desde a infância até às reuniões. Sua incrível capacidade de trabalho e sua forte personalidade marcaram definitivamente uma nova era no movimento espírita de Santos, extrapolando para o resto do país. Assim como Herculano Pires, teve a coragem de criticar os Centros que mais pareciam igrejas evangélicas do que casas de estudo e prática dos princípios da D.E. Ainda me lembro de seu primeiro comentário crítico a um dos grandes centros da cidade que tinha no seu salão de reuniões públicas um nicho com a imagem de Maria e todos que passavam por ali se benziam como fazem os católicos. Essa crítica lhe custou a proibição de entrar no referido Centro. Mas, Jaci não ficava apenas nas palavras e seu coração lhe indicava que era preciso também cuidar das pessoas amenizando suas angústias e suas dificuldades materiais.

Assim, lançou-se corajosamente a dirigir um lar de crianças órfãos ou abandonadas que era mantido por uma associação de trabalhadores- o Lar Veneranda. Pequeno e limitado em seus recursos, essa entidade transformou-se numa das mais expressivas e exemplares da cidade de Santos, graças ao comando agressivo e empreendedor de Jaci. Precisou de muita coragem inclusive para enfrentar e vencer dificuldades criadas até mesmo por pessoas que o cercavam e não acreditavam no sucesso do empreendimento. No campo das idéias no movimento espírita, teve a coragem de quebrar paradigmas como o da evangelização, a supremacia de Emmanuel em detrimento de Kardec, o misticismo religioso, etc. Jaci inscreve seu nome na galeria dos mais importantes nomes na defesa e na divulgação da Doutrina Espírita.

Com seu espírito combativo, ousado, consistente, jamais se deixou abater pelas críticas, pelos despeitos e pelo isolamento do movimento espírita em todo o Brasil. Escritor emérito sobre temas espíritas, Jaci foi original. Médium psicofônico de recursos, abandonou sua mediunidade porque tinha luz própria e não queria ser instrumento de outras mentes. Sua produção literária é inteiramente de sua criação e é um legado importante para quem se interessa pela evolução ou atualização da D.E. Seu último ato de coragem talvez tenha sido o de discordar do próprio mestre Kardec em alguns pontos sem, entretanto, deixar de ser seu maior defensor e admirador. Para ele Espiritismo é kardecismo. Mas seguia a própria orientação do mestre quanto ao progresso da Doutrina. Por tudo isso e pela sua imensa coragem e incansável batalha para estimular os espíritas ao estudo e a abertura das mentes, Jaci merece todas as homenagens sinceras dos seus irmãos e companheiros e, principalmente, deste que escreve estas breves linhas e que embora nunca lhe tenha revelado a viva voz, foi sempre seu aliado e confesso discípulo. Meu irmão coragem, aquele abraço.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Humanismo Espírita - Eugenio Lara

O Humanismo Espírita

Eugenio Lara

“O homem é a medida de todas as coisas, das que são e das que não são.”
(Frase atribuída ao filósofo grego Protágoras)

Você pode adquirir este livro pelo ickardecista1@terra.com.br - valor R$ 25,00 entregue em sua residência


No final da Idade Média e início do Renascimento, falar e pensar sobre o ser humano, sua consciência, valores, o sentido e a origem, sua ontologia, era algo subversivo, uma atitude de vanguarda frente a um pensamento quase que completamente dominado pelo dogmatismo religioso. Pensar o homem sem a rigidez e os cânones do pensamento cristão era algo descabido para a época. Por sua vez, hoje, ser humanista parece uma atitude reacionária, retrógrada, em meio à vigência do culto ao individualismo, do hedonismo. É como se o ser humano estivesse fora de moda, junto com o Humanismo.
Agir sob a égide de uma postura humanista significa agir em rota de colisão com o culto do ego, do eu sozinho, do culto às celebridades, do espetáculo social, em aparente contradição com os princípios de uma modernidade supostamente ultrapassada, arcaica, anacrônica. E seu contraponto, a chamada pós-modernidade, algo ainda difícil de se definir e de se localizar historicamente de modo claro, é muito mais do que a expressão do individualismo e, longe de legitimá-lo, ela extrapola o hedonismo exacerbado ao questionar as bases da modernidade e, indiretamente, o Humanismo, um de seus filhos mais diletos.
Além da ditadura do dogmatismo egocentrista, observamos hoje a ditadura do cientificismo, do que supostamente a ciência prova, a ponto de identificarmos um certo exagero em seu uso como oposição à religião. Fato observável, por exemplo, na propaganda de bens de consumo onde, amiúde, aparece um sujeito de jaleco no laboratório, com sotaque estrangeiro, numa imagem que serviria para expor a demonstração científica de que o produto “é bom, testado e aprovado”. Isso quando não vemos as práticas mais pseudocientíficas serem legitimadas sob a chancela de adjetivos pomposos, como o termo quântico, que serve para qualificar as práticas mais absurdas e destoantes de um pensar filosófico e científico.
Enquanto isso, o ser humano parece esquecido. Ao mesmo tempo em que nunca se valorizou tanto o individualismo na história da Humanidade, também é difícil crer que essa mesma Humanidade possa se desumanizar ainda mais do que a temos visto fazê-lo, desde o Holocausto e o Apartheid. O individualismo exacerbado desumaniza o ser humano. A espiritualidade, então, torna-se opaca, sem sentido, inútil, incômoda, quando não vira, com frequência, mais um bem de consumo ou uma desprezível fonte de renda. Desumanizado e desalmado, assim parece ser a condição do ser humano de nosso tempo, numa moldura exageradamente tétrica, imersa num “eterno” suplício, mas prenhe de significado.

Laicismo e Humanismo

Normalmente, aqueles que se opõem à ideia de um Espiritismo de conotação laica associam, de modo ingênuo e equivocado, a laicidade ao antirreligiosismo, ao ateísmo, a ponto de imaginarem uma forma ateia de se pensar/praticar a Doutrina Espírita. Haveria, portanto, um paradoxo curioso: o surgimento de um Espiritismo ateu ou, talvez, um Espiritismo iconoclasta, anticristão, comunista, como se fosse possível conceber a existência de um pensar espírita que não seja deísta. A fim de se evitar esse tipo de equívoco tão comum, é imprescindível compreender que a laicidade no Espiritismo não está exclusivamente associada à separação entre o Estado e a Religião. Mas sim, fundamentalmente, ao seu caráter humanista, ao Humanismo enquanto concepção de mundo, do qual o pensamento espírita é um lídimo representante.
A palavra Humanismo possui dupla acepção. Expressa dois sentidos que não se opõem, mas se complementam. O primeiro caracteriza-se pela extrema valorização do ser humano, situando-o como o centro das atenções, o sentido e a finalidade do conhecimento na construção do que se convencionou chamar de antropocentrismo, em oposição ao teocentrismo medieval. E o segundo sentido, pela formação intelecto-moral fundamentada nos clássicos latinos, nos autores gregos e romanos da Antiguidade, responsáveis pelo desenvolvimento da filosofia, da literatura, da cultura ocidental, das chamadas ciências humanas.
O Humanismo é fruto de uma conquista histórica, filosófica, ética, em todos os sentidos, tanto na preocupação com a humanidade como na formação obtida pelo estudo da cultura greco-romana, latina, na construção de uma paidéia, de um ideal de beleza e sabedoria. Ele representa uma dramática, trágica e longa luta dos intelectuais pela liberdade de pensamento, pelo conhecimento científico, obscurecido pelo dogmatismo religioso, pelo poderio eclesiástico e os poderes firmados no período medieval.


Allan Kardec e o Humanismo

Ao conceber o ser humano como um espírito imortal, livre, perfectível, o Humanismo Espírita situa-se numa via alternativa entre o niilismo da concepção materialista e o dogmatismo da ideologia judaico-cristã. Trata-se de uma visão otimista, enobrecedora, emancipadora, que valoriza e engrandece o ser humano sob um enfoque espiritualista e deísta, não-fatalista, sem os prejuízos do espírito de sistema, do fundamentalismo e do sectarismo religioso, e avesso a qualquer tipo de autoindulgência.
O pensar humanista e a ação humanitária são o apanágio da práxis espírita, cujos atributos e características peculiares acham-se determinados pela liberdade e a alteridade. O Espiritismo é, ao mesmo tempo, humanista e humanitário. Humanista, pelo resgate da dignidade humana, no aqui e agora, sem fixar os olhos no passado palingenético e sem se perder numa visionária e alienante idealização do além-túmulo. E humanitário por tomar a caridade em seu sentido mais amplo, como o componente motivador de sua práxis.
O Espiritismo não admite que o ser humano seja tratado como um objeto, como uma coisa desprovida de humanidade, de dignidade. Essa visão não é propriedade do cristianismo e não se inicia com ele, mas sim na Antiguidade. Todavia, será em Jesus de Nazaré que a natureza humana terá o seu momento maior de compreensão ética e valorativa. Daí que, apesar de não ser cristão, o Espiritismo incorpora em seu ideário humanista os princípios morais ensinados por Jesus de Nazaré. Portanto, não foi à-toa que Allan Kardec afirmou que a moral espírita e a moral cristã são essencialmente semelhantes.
A filosofia espírita se insere no contexto do Humanismo Espiritualista do século 19, anticlerical, secular e de inspiração iluminista, fatores presentes na ação e no pensamento dos socialistas utópicos Robert Owen, Conde de Saint-Simon e Charles Fourier. No entanto, a maior influência no pensamento humanista de Kardec vem do Iluminismo, especialmente Jean-Jacques Rousseau.
Allan Kardec conhecia os clássicos e traduziu obras da literatura clássica francesa para o alemão, como Telêmaco, de Fénelon. Dominava fluentemente o latim, grego, italiano, holandês, inglês, gaulês e o castelhano. Foi um profundo estudioso da filosofia grega, como pode ser observado em sua análise do pensamento filosófico de Sócrates e Platão, os quais considerou, ao lado de Jesus de Nazaré, como precursores do Espiritismo, na magistral introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Educado no Humanismo pestalozziano, de nítida influência do pensamento ético e pedagógico de Rousseau, o fundador do Espiritismo possuía uma formação clássica, enciclopédica, típica dos humanistas de seu tempo. Segundo Deolindo Amorim “é considerado humanista, no sentido antigo, aquele que tem uma cultura geral muito sólida, com fundamentos mais profundos nas ciências básicas, na história, nas línguas. Allan Kardec, por exemplo. Podemos considerá-lo pedagogo, moralista, pensador entre os mais autênticos, mas é bom não esquecer que sua formação, antes de tudo, era de humanista. Pelas questões que levantou, pela segurança com que formulou as teses fundamentais da Doutrina em seus diálogos com os espíritos instrutores e pelas próprias linhas mestras de sua estrutura intelectual, vê-se logo que havia, nele, os recursos culturais de humanista completo”. (Ideias e Reminiscências Espíritas, p. 78. Grifo meu).


Demasiadamente Humano...

A visão do Espiritismo como uma forma de Humanismo entrará inevitavelmente em choque com o “Espiritismo Evangélico”, com o dogmatismo doutrinário, o religiosismo, com a mentalidade cristã e cristrólatra. O caráter humanista do Espiritismo é absolutamente inegável.
Em um simples exercício estatístico, podemos observar que a palavra homem, no sentido de representante do reino hominal, aparece em O Livro dos Espíritos (2ª edição) 679 vezes. A palavra humanidade tem 81 ocorrências e humano, 50. Esses números são suficientes para demonstrar, ao menos em termos quantitativos, que a filosofia espírita tem no homem, no ser humano, o objeto primordial de suas reflexões, conceituações e ensinamentos. O caráter humanista do Espiritismo é parte integrante de sua natureza. Sua filosofia é humanista, assim como sua antropologia, sociologia e psicologia, tanto quanto sua pedagogia, todas elas ciências aplicáveis em estado embrionário, em estado de potência ainda por ser desenvolvido.
O pensamento humanista espírita se expressa não somente pela via filosófica, mas também pela via cultural, na valorização dos clássicos e da cultura humanista de todas as épocas. Mas, sobretudo, pela tomada de posição manifesta em relação ao ser humano, como elemento primordial de qualquer processo de transformação moral, social e política. O Espiritismo, apesar de sua aparência supostamente religiosa, cristã, transcendental, é essencialmente humano, demasiadamente humano...

(*) Eugenio Lara, arquiteto e jornalista, é editor do site PENSE - Pensamento Social Espírita [www.viasantos.com/pense] e membro-fundador do CPDoc - Centro de Pesquisa e Documentação Espírita. E-mail: eugenlara@hotmail.com

Posteriormente à elaboração deste artigo, em 2012, Eugenio Lara publicou um livro denominado " Breve Ensaio sobre o Humanismo Espírita - publicado pelo CPDoc - Santos -SP, 102 páginas. Disponível para venda aqui no nosso site, basta entrar em contato pelo email: ickardecista1@terra.com.br .