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quinta-feira, 4 de outubro de 2018

DO DISCURSO À AÇÃO E O COMPORTAMENTO ESPÍRITA - por Jailson Lima de Mendonça


15º SIMPÓSIO BRASILEIRO DO PENSAMENTO ESPÍRITA
De 02 a 04 de novembro/2017

TEMA: DO DISCURSO À AÇÃO E O COMPORTAMENTO ESPÍRITA
Jailson Lima de Mendonça
Santos/SP


Esse trabalho tem como motivação alguns questionamentos e reflexões sobre nosso comportamento, em especial como espíritas, a responsabilidade do exemplo e também do distanciamento entre o discurso e a ação no contexto que vivemos.

Consideramos interessante a capacidade que temos de nos indignar momentaneamente quando recebemos uma notícia ou um post nas redes de informação em especial as sociais, as quais muitas vezes nos causam tristeza, revolta mesmo, enquanto em outros nos levam à reflexão sobre nossa própria vida, valores, potencialidades e limitações.

Em alguns casos no sentido positivo, nos embebêssemos de uma vontade que antes não estava presente, como se fora um impulso, um pensar o que não havíamos pensado, um querer assumir e acreditar que somos capazes de realizar. Em outros, no sentido negativo, nos sentimos fragilizados, as vezes impotentes, mas que nos incita pra fazer, mudar, realizar, mas que no geral se vai esvaindo e voltamos ao nosso estado de ser tentando nos conformar de que não podemos fazer mais do que já estamos fazendo. Será?!

Vivemos em um mundo onde, ainda, as pessoas são analisadas, julgadas e criticadas pela aparência, pelo visual, por suas posses e não estamos preocupados com o que os outros efetivamente tem a oferecer, qual a contribuição que tem pra dar e agregar ao meu próprio aprendizado.

As notícias que vemos ou fatos que presenciamos no geral nos deixam inertes, como se não tivéssemos nada a ver com isso. E vem o inquietamento, pois é difícil acreditar que vivendo no século XXI com a imensidão de conhecimento e informações que já foram desenvolvidos, pensados e escritos, não nos parece crível que agimos desta ou daquela maneira e que muitas das atitudes que consideramos aceitáveis parecem exceções.

Verificamos que a construção efetiva se dá num passo muito menor do que da nossa capacidade criativa e intencional. A execução, o agir, esbarra em uma série de artefatos, concretos ou não, que a nossa vontade não consegue transpor. E porquê?

Somos todos iguais na origem, e espíritos num processo natural de desenvolvimento individual, com livre arbítrio e inteligência, mas que necessariamente passamos ou adquirimos aprendizado através da relação com o outro.

Quando falamos da distância entre o discurso e ação, será que o falar, por si só não seria uma ação? Já que ao falarmos estamos de alguma forma nos comprometendo ou influenciando aquele que escuta?

O professor do Centro de Análise do Discurso da Universidade de Paris 13, o linguista francês Patrick Charaudeau diz em "O discurso entre a ação e a comunicação" de 2002 quea linguagem é, por si própria, ação, já que ela faz ou faz fazer, seja expressando de forma direta (“Feche a porta”) ou indireta (“Está fazendo frio”). Deste ponto de vista surgiu a teoria dos "atos de fala", promovida por Austin e Searle, que estavam convencidos de que “uma teoria da linguagem é uma parte de uma teoria da ação”. Observaremos aqui que a relação entre a linguagem e a ação é uma relação de fusão de uma na outra: não há, nesta perspectiva, combinação entre ação e linguagem, mas integração da ação na linguagem. O exemplo emblemático disso é o ato performativo (“Eu vos declaro unidos pelos laços do matrimônio”) onde o dizer, descrevendo sua própria ação, torna-se ação. A ação não é, portanto, exterior à linguagem, e esta, não possuindo existência autônoma, não pode exercer por sua vez uma influência sobre a própria linguagem.

Naquela palestra o professor ainda acrescenta que “A intenção, contrariamente ao fim, não é outra coisa que a intenção de influenciar o outro, de produzir nele um efeito ("efeito visado") que o leve a modificar sua própria intenção. É apenas na observação do comportamento do outro ("efeito produzido") que poderá ser medido o impacto do efeito visado”.

Bom, essa discussão não é nova, desde Aristóteles, a ação é considerada levando-se em conta o sentido social que a mesma gera e em relação aos geradores dos fatos sociais.

As ações dos seres humanos, ou melhor, dos espíritos encarnados, são representadas por uma linguagem verbal ou não que de toda forma gerará consequências a partir da capacidade representativa do autor e sua vontade, ou seja, do seu campo de influência e dos diversos motivos que animam os interesses pessoais e coletivos.

“(...) a virtude está em nosso poder, do mesmo modo que o vício, pois quando depende de nós o agir, também depende o não agir, e vice-versa. De modo que quando temos o poder de agir quando isso é nobre, também temos o de não agir quando é vil; e se está em nosso poder o não agir quando isso é nobre, também está o agir quando isso é vil. Logo, depende de nós praticar atos nobres ou vis, e se é isso que se entende por ser bom ou mau, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos". (Aristóteles, III)

E nesse momento que vivemos um período de revisão de valores é preciso ceder espaço à reflexão de que quanto mais se assume o que se é, embora não sem dor, abre-se caminho para a felicidade.

No livro O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Léon Denis nos fala da vontade como a maior das potências e que “O princípio de evolução não está na matéria, está na vontade, cuja ação tanto se estende à ordem invisível das coisas como à ordem visível e material. Esta é simplesmente a consequência daquela. O princípio superior, o motor da existência, é a vontade”. E mais adiante “Querer é poder! O poder da vontade é ilimitado. O homem, consciente de si mesmo, de seus recursos latentes, sente crescerem suas forças na razão dos esforços. Sabe que tudo o que de bem e bom desejar há de, mais cedo ou mais tarde, realizar-se inevitavelmente, ou na atualidade ou na série das suas existências, quando seu pensamento se puser de acordo com a Lei Divina”.
Atualmente, em especial com a difusão das redes sociais, verificamos como as pessoas se sentem muito mais a vontade ou persuadidas a interagir, pois com um único clique se pode replicar ou transmitir algo que tenham “curtido”, tanto para o bem como para o mal, sem que muitas vezes tenham checado seu conteúdo, veracidade e muito menos avaliado as consequencias da repercussão de tal informação.

E assim, nós somos agentes e/ou receptores de tais situações, suscetíveis e sensíveis a frustração, decepção, mágoa, etc ou ao júbilo, alegria e entusiasmo dos resultados obtidos ou não, num linguajar atual se fomos ou não curtidos.

O homem, tanto nas grandes ou pequenas ações do cotidiano, perde a oportunidade em ter uma atitude de respeito aos pontos de vista dos outros e de compreensão para com suas eventuais fraquezas, ou seja, de exercitar a tolerância, cuja virtude é a potência do ato, onde reflete seu próprio progresso e a disposição de se atualizar.

O comportamento humano é a atitude do ser perante a vida, sua postura no cotidiano, seus procedimentos e reações com o outro.


Como a atitude é uma intenção de se comportar de certa maneira, a intenção pode ou não ser consumada, dependendo da situação ou das circunstâncias.

E as mudanças nas atitudes de uma pessoa podem demorar muito para causar mudanças de comportamento que, em alguns casos, podem nem chegar a ocorrer.

Cada pessoa deve ser vista e analisada de acordo com suas particularidades, até porque somos uma individualidade, com nossos vícios e imperfeições, mas também com nossas virtudes, portanto é bom lembrar que as grandes variedades que o comportamento humano apresenta, não podem servir de regras para todas as outras pessoas, pois cada ser apresenta características individuais.

Segundo Aristóteles, a virtude deve ficar no meio, ou seja, nem se exceder para cima e nem para baixo, por exemplo o excesso de humildade pode transformar-se em orgulho e o excesso de orgulho pode transformar-se em humildade. O que nos sugere que a tolerância as vezes demonstrada pode não ser verdadeira.

Então, a verdadeira tolerância deve ser humilde, mas convicta. Respeitar as ideias e condutas dos demais, sem desprezá-las, mas também sem minimizar as diferenças, porque sabe que é a contradição que leva ao bem comum.

Devemos agir com parcimônia, mas quais são os limites da virtude da tolerância? Pensamos que pode se resumir em dois princípios: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti” e “Não deixes que te façam o que não farias a outrem”.





COMPORTAMENTO ESPÍRITA

Neste ponto paramos para refletir sobre quais outros subsídios o Espiritismo nos oferece para uma melhor interpretação do tema e lembramos daquele pequeno, mas importante livro Comportamento Espírita, resultado de uma conferência de Jaci Régis para um grupo de jovens em uma confraternização espírita (COMELESP) no início dos anos 80, encontramos a preocupação do autor em tratar da questão do comportamento e sua repercussão:

“Por fim, uma abordagem sobre o comportamento não é um julgamento. É uma discussão aberta, simples e objetiva das formas de interação social e humana que decorrem e resultam da existência e da vida.
Tal é o nosso propósito. Queremos apenas suscitar debates, comentários e reflexões. Para equacionar, porém, a análise que pretendemos fazer, levantamos, como hipótese de trabalho, as seguintes questões, que terão desenvolvimento nos capítulos desta obra:
1. O comportamento espírita é naturalmente diferente ou deve esforçar-se para ser?
2. Se o espiritismo não impõe regras, como se definirá o comportamento espírita?
3. Vivendo no mundo, como superar as exigências, os desafios, as necessidades, sem comprometer-se espiritualmente?
4. Como se situar diante do apelo aos excessos e vícios que estão presentes e são estimulados no mundo?
5. De que maneira compreender e usar as forças sexuais?

O comportamento é a expressão da individualidade, exteriorizada em atos, palavras, gestos, ações e interiorizada em pensamentos, ideias, desejos, constituindo o que se chama de personalidade.

Na encarnação, admitem-se comportamentos específicos, próprios aos vários níveis de idade. São decorrentes de experiências cristalizadas na mente imperecível e desencadeadas, em cada encarnação, de acordo com as circunstâncias e as condições do ambiente.

É inegável que o espiritismo propõe uma nova visão de vida e do homem. É a partir dessas ideias básicas que se erguerá o comportamento espírita.

A proposta do espiritismo, relativamente ao comportamento, é dinâmica. Isso significa, objetivamente, que o espiritismo não nos sugere qualquer comportamento que se expresse antinaturalmente ou que signifique uma posição alienada, isto é, afastada da realidade e transferida para o além.


ALGUMAS REFLEXÕES:
ü  De nada adianta as pessoas terem um excelente currículo e discurso se não conseguirem tratar o outro com civilidade (não estamos falando de amor).
ü  Devemos nos preocupar em demonstrar, através do exemplo, respeito por todos aqueles com os quais nos relacionamos, a começar dentro do próprio lar.
ü  É comum justificarmos que as preocupações em excesso, a ansiedade dos tempos modernos e a falta de tempo são responsáveis por comportamentos grosseiros.
ü  Comportamentos injustificáveis nos mostram que está faltando controle sobre as próprias ações e, acima de tudo, respeito para com o próximo.
ü  Pode parecer difícil agir com amabilidade no mundo competitivo e individualista em que vivemos, mas não devemos abrir mão de nossas convicções.
ü  É lamentável que as expressões Com licença, Por favor e Obrigado estejam sendo usadas com menor frequência.
ü  Caso venhamos a sofrer indelicadezas, não nos deixemos envolver por essas atitudes e sigamos em frente dando bom exemplo, mesmo que seja através do nosso silêncio.

Não dá para fugir, se aqui estamos, estamos para fazer e realizar, assumindo a responsabilidade dos nossos pensamentos, ações e comportamentos, a parte que nos cabe na construção de uma nova sociedade mais ética, justa e fraterna.

Questionamentos, dificuldades, resistências e reflexões haverão, mas não há mudanças sem esforço e comprometimento.

 Somos espíritos e temos nosso livre-arbítrio o que significa a possibilidade de optarmos entre muitas variáveis, exercendo o direito de escolha e praticando o exercício da vontade como garantia do poder de executar nossa decisão. Ora, todas essas atitudes só se concretizarão a partir de uma base de conhecimento do porquê, das razões e de se ter um consistente objetivo para a vida.


segunda-feira, 28 de maio de 2018

O que é fazer a diferença? por Alexandre Cardia Machado


O que é fazer a diferença?

Pesquisando sobre o tema fazendo a diferença encontrei um texto que gostaria de compartilhar com vocês, o título é “Atitudes Que Fazem A Diferença!” escrito por Gustavo G. Boog para o Jornal “Novo Emprego – O Amarelinho”, voltado para o mercado de trabalho. No texto podemos encontrar reflexões sobre o que realmente importa, nas diversas áreas de atuação humana.

“ Fazer a diferença é uma atitude normal nas pessoas, pois cada um de nós deseja de alguma forma deixar a marca de sua atuação, o registro de sua competência, mostrar o quanto pode contribuir numa determinada situação. As pessoas que estão ao nosso redor simplesmente adoram que cada um de nós faça a diferença, sejam elas nossos colegas de trabalho, chefe, parceiros ou parceiras, família, amigos, etc. Fazer a diferença é sair do lugar comum, é fazer diferente, é dar o melhor de nós; quando não queremos ou podemos fazer a diferença, quando nos sentimos desmotivados, impotentes, quando existe a postura do “tanto faz”, quando nos sentimos vítimas, com certeza há algo errado, é como se houvesse uma doença.

Fazer a diferença é surpreender positivamente as pessoas, fazendo “algo mais” que não era esperado, e de alguma forma superando as expectativas. Fazer a diferença significa “encantar” as pessoas, criando aquele ambiente mágico em que as pessoas podem dizer: “para mim, naquele momento, naquele local, você fez a diferença!”. Nós reconhecemos instantâneamente alguém que faz a diferença: pode ser um vendedor na loja, um garçon, um cobrador de onibus, um guarda de estacionamento, um colega de trabalho, um líder inspirador.

Para fazermos a diferença é preciso desenvolver nossa maestria pessoal e profissional: precisamos ser competentes e termos poder pessoal.

• precisamos ser competentes para fazermos a diferença. Isso quer dizer que devemos ter conhecimentos e habilidades, adquiridas pela prática, pelos estudos, pelo treino, pela experiência de vida; e também motivação, ou seja, o estímulo, a vontade de fazer a diferença. A competência é a filha do conhecimento e da motivação. Num desfile de Escolas de Samba, é preciso de muita competência para preparar as alegorias, os carros, os passos. Veja quantos conhecimentos e quanta motivação estão presentes. E como diz o provérbio: quem não tem competência que não se estabeleça!

• o poder pessoal é assumir as rédeas da próprioa vida, é termos auto-estima elevada, é gostarmos de nós mesmos, é estarmos de bem com a vida, é a decisão de não ser mais vítima. O poder pessoal significa num primeiro momento aceitarmos as coisas como elas são (e não ficar brigando contra), e imediatamente agir em cima disso. Por exemplo, meu chefe no trabalho é um pequeno ditador. Aceitar isso significa não ficar desejando que ele seja diferente, mas sim reconhecer que ele é assim. A questão que se coloca é o que eu devo e posso fazer com isso? qual será meu próximo passo?
Para fazermos a diferença, é fundamental nos conhecermos, quais são nossos potenciais e os pontos que precisamos desenvolver e melhorar. …

Gente que faz a diferença tem algumas características. Procure identificar se você tem algumas, muitas ou todas e saberá se você pode e quer fazer a diferença. São elas: se importa com os outros, conhece as necessidades dos outros; coloca sua energia na busca de soluções e não tanto nos problemas; dá um carinhoso “empurrão” nos outros, fazendo-os ver novas possibilidades e caminhos ;  está de bem com a vida, é entusiasmado e não descarrega suas frustrações nos outros e  tem cortesia e alegria nos relacionamentos; tem competência e te ajuda a alcançar os teus objetivos;  tem poder pessoal;  tem um sentido de finalização. Não fica dando desculpas porque alguma coisa não aconteceu. Faz as coisas acontecerem;  não se exime das responsabilidades, vai além do “eu fiz a minha parte”;  assume a liderança e os riscos ; Fazer a diferença está ao alcance de todos nós.
Fazer a diferença é uma atitude, é um estado de espírito e decorre de uma decisão pessoal: eu quero fazer uma positiva diferença para mim mesmo e para as pessoas.”

No Livro dos Espíritos temos um caminho proposto, está na resposta à questão 918 , Caracteres do homem de bem. “ Verdadeiramente, homem de bem é o que pratica a lei de justiça, amor e caridade, na sua maior pureza. Se interrogar a própria consciência sobre os atos que praticou, perguntará se não transgrediu essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se ninguém tem motivos para dele se queixar, enfim se fez aos outros o que desejara que lhe fizessem.

Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem contar com qualquer retribuição, e sacrifica seus interesses à justiça. É bondoso, humanitário e benevolente para com todos, porque vê irmãos em todos os homens, sem distinção de raças, nem de crenças. Se Deus lhe outorgou o poder e a riqueza, considera essas coisas como um depósito, de que lhe cumpre usar para o bem. Delas não se envaidece, por saber que Deus, que lhas deu, também lhas pode retirar.
Se sob a sua dependência a ordem social colocou outros homens, trata-os com bondade e complacência, porque são seus iguais perante Deus. Usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não para os esmagar com seu orgulho. É indulgente para com as fraquezas alheias, porque sabe que também precisa da indulgência dos outros e se lembra destas palavras do Cristo: Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado.

Não é vingativo. A exemplo de Jesus, perdoa as ofensas, para só se lembrar dos benefícios, pois não ignora que, como houver perdoado, assim perdoado lhe será. Respeita, enfim, em seus semelhantes, todos os direitos que as leis da Natureza lhes concedem, como quer que os mesmos direitos lhe sejam respeitados.”

Esta coluna busca exemplos espíritas ou não que sejam capazes de demonstrar nossa perseverança em ajudar a sociedade em seu processo de desenvolvimento conjunto.

Nota: Publicada no Jornal Abertura em Março de 2018




sexta-feira, 2 de março de 2018

O Espiritismo Que Queremos – por Carol Régis – XV SBPE


“Para que César possa ter o Espiritismo que eu sempre quis: uma luz guia nos momentos de dor; uma fé nem sempre inabalável, mas uma fé que norteie eticamente sua jornada”


O Espiritismo Que Queremos – Carol Régis – XV SBPE

ü  Inquietação: Estado de inquieto, do que se acha em agitação. Estado de preocupação; desassossego que impede o repouso, a paz, a tranquilidade; nervosismo.

Foi uma constante inquietação que norteou as bases para o surgimento deste trabalho. Um sentimento não recente, fruto de vivências, observações, diálogos, leituras, alimentado por um olhar sobre o Espiritismo pratico diário, as casas, os Espíritas, as relações, as instituições. Uma observação filosófica sobre o caminho que estamos trilhando, com um amedrontado vislumbre do caminho que temos pela frente. Qual o foco do Espiritismo atual? E, principalmente, qual foco ele deveria ter daqui pra frente?

As respostas a esses questionamentos passam por inúmeros pontos: a Doutrina em si, sua tão necessária atualização, seus pontos imutáveis (ou não), a comunicação usada para transmiti-la, o comportamento – em grupo e individual – daqueles que escolheram o Espiritismo como filosofia a ser seguida, o planejamento para as próximas décadas e o trabalho com as próximas gerações. Mas passa, principalmente, por um ajustar de lentes, uma definição de foco sobre um tema imediato, urgente e aparentemente generalizada: a retomada da humanização do Espiritismo, colocar o Espírito encarnado como personagem principal da prática doutrinaria.

Este artigo foi publicado no Jornal Abertura de março de 2018: baixe aqui!



Obviamente, um trabalho hercúleo, não passível de ser esgotado em um trabalho, por um único pensador e, mesmo se possível fosse, não seria o ideal.

Desta forma, o presente trabalho vem mais como um compartilhar de inquietações, uma transmissão de sentimentos aos colegas de ideal, para que possamos, caso haja interesse, refletir em conjunto sobre o que está acontecendo na prática em nosso dia a dia como espíritas, que direcionamentos temos dado em nossas casas, como dirigentes ou não, vislumbrando o bem estar e a felicidade daqueles que nos procuram para algum fim. Qual o grau de importância real temos dado à pessoa que ali está sentada em busca de algo?

Uma movimentação que deve ser feita em duas frentes: a particular, solitária, do individuo com ele mesmo e sua percepção honesta de falhas e oportunidades de melhora. Mas principalmente coletiva, realinhando o que alguns indivíduos, intencionalmente ou não, possam ter desviado por motivos diversos ou pelo simples abandonar do exercício frequente de autorreavaliação, e que acabaram, por influência, desviando o foco da casa em que frequentam. 

O trabalho é, portanto, um convite à sincera reflexão sobre o objeto central do Espiritismo: o Espírito. Não um olhar distante e filosófico sobre a teoria do Ser. Mas um olhar para o lado, com genuíno interesse ao companheiro de jornada que frequenta a mesma casa ha tantos anos. Qual seu sobrenome, que situações o trouxe à casa, quantos filhos tem, de que precisa realmente? Que Espíritas somos e que Espíritas queremos ser? Estamos, na prática, vivenciando aquilo que estudamos há tantos anos? Quando uma situação surge, quando um companheiro necessita realmente, quando a vida nos põe à prova, embasamos nossa decisão na ética espírita de verdade? Fica a singela pretensão da contribuição compartilhada, no sentido de instigar assuntos que todos já sabemos e temos dentro de nós, como um falar sobre o óbvio que precisa ser dito. Propor uma retomada, uma revisita a aspectos do passado, algo vintage, sobre posturas, práticas e objetivos, nostalgicamente apontados como minguantes no Espiritismo moderno. E esses apontamentos precisam ser ouvidos, levados em conta, porque são verbalizações de sentimentos, vindos daqueles que mais importam: Os Espíritas.


ü  Atualizar: tornar(-se) atual, adequar(-se) aos dias de hoje; modernizar(-se)."a. o ensino de línguas". Promover a atualização cultural, pedagógica etc. (de alguém ou de si próprio).

Impossível imaginar o Espiritismo do futuro sem pensar em adequá-lo aos dias de hoje. O tema Atualização já vem sendo discutido ha décadas e ele mesmo já precisa ser modernizado. Com exceção de alguns trabalhos filosóficos apresentados em encontros, ou medidas práticas alteradas nos centros espíritas (emissão energética, não obrigatoriedade de água fluídica e preces, mudanças de nomenclaturas e adequações de alguns temas e grades de palestras), pouco se produziu e incorporou efetivamente da agenda elaborada para atualizar o Espiritismo nos meios laicos e livre pensadores.

A começar pela atualização da linguagem. Não houve nenhuma movimentação relevante no sentido mais básico de atualização da linguagem, do escopo teórico do Espiritismo, dos escritos de Kardec e contemporâneos do fundador. Ainda são as mesmas traduções, a mesma literatura que passa de gerações em gerações, com palavras incompreensíveis ao jovem de hoje. As traduções, por assim dizer, são tentativas individuais, oralmente transmitidas para um melhor entendimento do grupo. Nada formal, nada por escrito. E os poucos exemplares literários existentes não alcançaram expressão na divulgação a ponto de fazerem alguma diferença pratica nas bibliotecas dos centros, mesmo porque, são adaptações de forma muito mais do que de linguagem.

Faz-se necessário traduzir, no sentido literal da palavra, o que Kardec escreveu. Não é viável esperar de um adolescente de 14 anos, em 2017, a leitura prazerosa e compreensível do Livro dos Espíritos, 1857, de qualquer uma das editoras, esperando que ele adote aquilo como sua base ética. Não sozinho, não sem alguém para nortear, para transformar aquele conhecimento em algo compatível com a realidade deste jovem.  E aqui não cabe mais a visão ultraconservadora de não mexer no que Kardec fez; não reescrever as obras básicas. Obviamente, ninguém irá reescrever com linguagem atual O Livro dos Espíritos e colocar Allan Kardec como autor da obra. Mas podemos escrever um Livro dos Espíritos Revisitado e deixar bem claro o exercício de transcrever, com linguagem moderna o que foi dito por Kardec, há dois séculos.

Postergar ou minimizar essa atualização de linguagem das obras é cimentar o legado de Kardec, imortalizando-o enclausurado em uma bibliografia incompreensível dentro de muito pouco tempo. Porque, em breve, os dirigentes e tutores de reuniões, já serão todos de uma nova geração e terão que transmitir a novos freqüentadores – nascidos na era digital – que “a causa primária é, conseguintemente, uma inteligência superior à Humanidade” e que “Quaisquer que sejam os prodígios que a inteligência humana tenha operado, ela própria tem uma causa e, quanto maior for o que opere, tanto maior há de ser a causa primária. Aquela inteligência superior é que é a causa primária de todas as coisas, seja qual for o nome que lhe dêem.”

Saberão passar isso aos novos freqüentadores como: “Não importa o nome que se dê a quem criou todas as coisas, ele sempre será a inteligência superior. Tudo o que for feito pela Humanidade, por mais brilhante que seja, teve seu inicio naquela inteligência inicial, criadora de tudo”? Tradução também pode ser feita de uma língua para a mesma língua, dado que a linguagem é perecível, orgânica, acompanha as mudanças sociais.

Uma vez encaminhada a questão da linguagem e a verdadeira compreensão do conteúdo doutrinário pelas as próximas gerações, podemos avançar para o temário contemporâneo. Questões pertinentes à sexualidade, alteridade, novas filosofias e religiões, genética e tantas outras que ainda irão surgir, precisam ser incorporadas como parte do conhecimento Espírita. Seja sob a forma de livros, PDFs, vídeos, perfis em redes sociais, o que for. Não há mais como fugir ou tratar apenas como um tema extraordinário em reuniões especiais. Porque vidas, Espiritos encarnados, dependem do posicionamento dos demais para poder seguir sua jornada com menos sofrimento. Isso irá desenvolver a produção de conhecimento novo nos centros, a participação efetiva de novos colaboradores que irão fortalecer o futuro das casas, criando vínculos afetivos e ideológicos com a comunidade, irá gerar a real atualização de conteúdo renovado e, principalmente, solidificará a postura esperada do estudioso da filosofia Espírita, como ser humano social.

Na prática, podem ser criados temários anuais seguidos pelas casas filiadas às mesmas Instituições, não como grades obrigatórias de estudos, mas como norte e incentivo à produção renovada de conteúdos, em diferentes círculos, podendo ser unificada e compilada posteriormente como um posicionamento oficial, ainda que transitório e momentâneo, sobre determinado assunto. E isso, não para veicular em imprensa, gerar status em rankings sociais; mas para darmos uma base moral e filosófica orientadora daqueles que seguem a mesma linha pensadora do Espiritismo. A falta de um guia orientador mínimo de temas a estudar ou atualizar, gera um sentimento de não pertencimento pratico, insegurança quanto ao que estudar e sob quais argumentos, quais formas agir e vivenciar a doutrina no dia a dia.

Atualizar, antes de tudo, é buscar a compreensão geral, para que todos estejam lado a lado, enfrentando os desafios diários das casas Espíritas, balizando comportamentos práticos de cada um e da coletividade, de acordo com os fundamentos comuns às organizações escolhidas por afinidade teórica. 

ü  Instituição: estrutura material e humana que serve à realização de ações de interesse social ou coletivo; organização. Cada um dos costumes ou estruturas sociais estabelecidas por lei ou consuetudinariamente que vigoram num determinado Estado ou povo.

É totalmente esperado que as pessoas busquem frequentar círculos onde encontrem afinidades morais, políticas, espirituais, filosóficas e, por sua vez, que essa comunidade também sinta a necessidade de unir-se a outras, que tenham pensamentos semelhantes, interesses coletivos. E assim começam a institucionalizarem-se. Até aí, seria ótimo, não fosse a premissa de que, invariavelmente, o comportamento coletivo distingue-se do comportamento de cada individuo isoladamente. E com a Institucionalização, vêm os cargos, as políticas internas e externas, as responsabilidades, a figura pública e toda uma gama de situações que põe a prova a prática genuína das teorias Espíritas, como uma filosofia de amor e respeito ao próximo, coletiva.

Há muito vem sido debatida a necessidade da complexidade de determinadas Instituições, que se impõem organogramas e cronogramas tão rígidos, comparáveis a uma verdadeira corporação multinacional. São eventos, planilhas, metas, cronogramas a cumprir, folhas de pagamento, orçamentos, diretores e secretários e tantos outros cargos que, muitas vezes, a comunidade em si vê-se quase toda ocupando algum titulo, com mais mandachuvas do que seguidores. Sem contar as contas a pagar: do lanche, da reforma, da rifa, do livro do autor da casa a ser publicado, das taxas municipais... tudo isso em um cenário de crise econômica e desemprego.

Mas, de tudo, o que vem mais pesando sobre a questão da Institucionalização é que, por muitas vezes, ela tomou o lugar principal nos objetivos das casas e associações. E nesse cenário, pululam brigas por poder, conchavos para derrubar esse ou aquele diretor, imposições a determinados frequentadores, vetos de assuntos e participações, presenças obrigatórias em eventos e tantas outras ingerências costumeiras. E o reflexo disso, é a alteração da percepção do público quanto à relevância das casas Espíritas e, consequentemente, uma evasão por motivos que, antes, não eram os que estávamos acostumados a lidar, como falta de tempo ou afinidade com o pensamento da casa.
Recentemente, a morte de um frequentador nas dependências da FEESP (ver anexo 01) causou comoção não pelo fato em si, mas pela forma supostamente fria e negligente dos gestores da casa para com os familiares, que levaram dois dias para encontrar e liberar o corpo. Foi relatado todo tipo de empecilho: os familiares não puderam entrar, negaram acesso as câmeras de vigilância, não permitiram o resgate imediato do corpo devido a um evento que estava ocorrendo na casa. A FEESP, em nota, disse que todo auxilio foi prestado à família, que a policia irá investigar a morte e que o nome de Claudio já estava no grupo de orações da casa (ver anexo 05).
A jornalista Dora Incontri, escreveu dois textos abordando o assunto no blog da Associação Brasileira de Pedagogia Espirita, e foi recorde de leitura, compartilhamento e comentários (ver anexos 02, 03 e 04). Sentiu na pele a austeridade de muitos, mas também testemunhou relatos inimagináveis de situações ocorridas dentro das casas: desrespeito, boicote, menosprezo, por motivos diversos. “Esse episódio não me surpreende porque há muito que a FEESP é uma instituição onde a briga por cargos e poder já levou até a polícia lá para dentro, onde a impessoalidade é a tônica da uma instituição que cresceu tanto que perdeu o  caráter de acolhimento humano – o que se revela no extremo de uma situação como essa, que aqui comentamos.  O problema é que a desumanização de instituições espíritas tem sido um sintoma muito grave de parte do movimento”, relata Dora.
E Dora completa: “(...) movimentos religiosos e novas formas de moralidade, quando nascem, brotam da fonte espiritual legítima, com seus iniciadores, animados do élan evolutivo. Mas depois, com o tempo, se cristalizam, se institucionalizam e portanto, vão perdendo vida e impulso, vivência e amor.(...) Então, já dá para concluir que nós, espíritas, estamos no mesmo caminho: institucionalização (quando falo esse termo, estou me referindo à uma situação em que regras, burocracias, cargos, dinheiro, poder, valem mais do que o ser humano), perda de fraternidade real, esfriamento das relações humanas”.
À época do ocorrido, a publicação Crítica Espírita (edição 31/2017) veiculou uma matéria de capa com o psicólogo Franklin Félix sobre a questão da evasão dos centros espíritas por motivos sociais diversos. O editorial também tratou, sem amarras, do assunto (ver anexo 06): “Para quem costuma assumir tarefas ou se envolver em atividades no Centro Espírita, é muito comum tomar conhecimento de, ou mesmo vivenciar, processos de intolerância, de perseguição, de expulsão e de maus-tratos causados por outros trabalhadores no Centro Espírita. (...) De qualquer modo, se um Grupo Espírita é uma proposta de sociabilidade espiritualizada, regenerada, um local para desenvolvermos comportamentos e valores de honestidade , tolerância, empatia, de superar o “ser velho” em busca do “ser novo”, de vencer preconceitos e imperfeições arraigadas, então parece que alguma coisa está muito errada diante do fato de ser tão comum esses casos (...)”.

Diante da discussão, que já possui caráter aberto e nacional, faz-se necessário repensar na real necessidade da Institucionalização, nos moldes conhecidos, das entidades Espíritas. Por questões legais, enquanto uma casa é um local público, para recepção de pessoas, com um CNPJ válido, é necessário manter uma estrutura mínima de gestão para garantir o cumprimento das exigências formais. E, mais, para garantir o mínimo funcionamento de gestão de patrimônio, pessoas, atividades. Mas o foco deve ser o “mínimo”, não a “estrutura”. E, ainda mais importante, as pessoas que ocupam tais cargos devem ter a certeza, e serem sempre lembradas disso caso suas posturas demonstrem algo oposto, de que o cargo é meramente funcional, que deve ser visto como um trabalho apenas, separadamente do foco principal do centro: atender aos freqüentadores e realizar suas obras – assistenciais ou de estudo.


ü  Desumanização: Ato de desumanizar, perda de determinadas qualidades morais do ser humano, tornar ou torna-se desumano, tirar ou perder o caráter humano. Tratar o outro como objeto, não levando em conta suas emoções é uma atitude de desumanização.

A necessidade de trazer volta o objetivo essencial das casas Espíritas – o frequentador – ganha notoriedade ainda maior frente à questão da demasiada institucionalização, porque leva a uma postura fria e desumana no dia a dia das atividades. Pessoas são tratadas como parte das atividades, uma rotina a ser seguida, encaminhada, curada ou o que for. E isso não é crítica apenas ao movimento laico, ou ao religioso tradicional, mas uma percepção ampla, a todos que foram engolidos por essa roda viva contemporânea.
Em seu artigo, Dora cita um depoimento que recebeu sobre o tema: ““Em 1994, dezembro, estava com minha filha num hospital de SP. Ela havia feito uma cirurgia cardíaca e estava em coma. Depois da entrevista com médicos que a desenganaram, saí sem rumo; triste e sozinha. Havia levado o endereço de um centro espírita de uma médium famosa por seus romances. Entrei, sentei e comecei a chorar. Umas mulheres estavam arrumando o centro. Nem me olharam. Depois de um tempinho, sem se aproximarem, disseram o dia do passe. Enxuguei as lágrimas e fui embora. Precisava de apoio, aconchego, como sempre encontrei no centro que frequentava. As paredes do tal centro cobertas de reportagens de revistas com fotos da médium.”
A caminhada do movimento ao qual pertencemos, com foco na Filosofia e no ser Laico, parece ter distanciado o lado mais Humano do Espiritismo, subjetivo, atencioso aos aspectos mais cotidianos e fraternos, devido às nossas metas, agendas e congressos a cumprir. Encontros esses, cada vez mais distantes do público de interesse, seja por barreiras geográficas, econômicas ou temáticas, refletindo diretamente na quantidade cada vez mais escassa de trabalhadores realmente comprometidos e engajados, causando a incerteza sobre a perenidade Doutrinária.
E esse tornar humano, por mais redundante que seja, dado o caráter da própria doutrina, é algo que vem sendo repensado, solicitado e buscado em inúmeros grupos. Uma espécie de onda nostálgica e necessária em diferentes núcleos Espíritas, buscando atividades e atitudes de um passado recente como promoções sociais, reuniões de integrações, resgates de frequentadores e gerações passadas gerando a interação com os frequentadores atuais.Há um certo vazio, uma falta de algo que não se sabe explicar, mas que se expressa pela saudade de ter mais contato, maior interação social, mais calor humano. Talvez o longo tempo buscando distanciar-se da religião, embrenhando na busca filosófica da Doutrina, tenha custado algum afastamento do olhar ao próximo, no sentido de acolhimento.

            E, percebendo isso a tempo, é possível traçar, ou retraçar, os caminhos pelos quais iremos percorrer o Espiritismo do futuro. E nesse caminho não deve ser permitido preconceito de qualquer tipo, indiferença, embates pessoais acerca de assuntos filosóficos (Espíritas, políticos ou quaisquer outros). A fraternidade deve nortear os rumos do Espiritismo que queremos para nossos filhos e netos.

E esse legado passa, necessariamente, pela postura esperada do novo Espírita, ainda que ele já seja Espírita há décadas. Uma reforma íntima genuína, sem a pieguice geralmente empregada nesse termo. Um olhar para dentro de forma a mudar aquilo que reconhecemos não estar bom, passível de aprimoramento, buscando a felicidade no sentido de estar bem consigo, mas também nas relações interpessoais. Ninguém é feliz sozinho, então estar no mundo de forma consciente é a maneira mais plena de caminhar na evolução. E isso exige desapegar de velhos hábitos, comportamentos, padrões mentais. Romper o tradicional em busca de agregar o novo para ser feliz, livre de culpa, de julgamentos.
           
O olhar caridoso tanto para quem frequenta a casa, buscando o genuíno interesse em seus assuntos e dilemas, quanto para a comunidade ao redor e os tantos problemas sociais enfrentados é uma boa maneira de começar. E que os esforços sejam não apenas concentrados nas casas assistenciais ligadas diretamente ao centro frequentado, mas que haja integração e cooperação entre as diversas casas e suas necessidades sazonais, gerando um auxílio mútuo, uma rede de ajuda entre os frequentadores de diferentes casas, sem protecionismo ou preferência a esta ou aquela casa por estar ligada a este ou aquele centro.

E a partir dessa mudança interna, começar a exteriorizar, praticar, trazer pra vida real o tanto que se estuda na doutrina. Deixar de ser apenas uma teoria filosófica, para ser uma atividade diária, em cada atitude, cada decisão, cada diálogo. Vivenciar os princípios da doutrina a cada chamamento da vida, praticando a ética que escolhemos embasar nossa encarnação.

ü  Prática: ato ou efeito de praticar. O que é real, não é teórico; realidade.

Uma vez, uma querida colega de uma das casas da região, questionou-me durante uma palestra, porque não seguíamos um cronograma unificado de plano de estudo, sugerido pela Instituição a que pertencíamos. Alguns ouvintes, discordaram de imediato, talvez ranço de uma época onde os assuntos eram pautados e obrigatórios. Mas, ouvindo os argumentos da colega, percebi que poderia ser um bom ponto de partida para as mudanças práticas nas grades de estudo. Para ela, fazia falta algo norteador, em comum a todas as casas, uma produção de conhecimento que pudesse ser feita em conjunto, de forma organizada. Obviamente, não seria algo mandatório, mas sugerido para ser incluso dentro da grade de estudos das casas e, quem sabe, após um ano de estudo, produzir um documento unificando os pontos de vista, trazendo conclusões.
Outro ponto que precisa ser ponderado nas decisões estratégicas das casas é o alinhamento da transmissão do conteúdo gerado à nova realidade e às novas tecnologias. Não é mais compatível que continuemos utilizando somente o formato palestra tradicional para difundir nossas ideias, nem apenas seminários presenciais para produzir novos conteúdos. Existem tantas outras formas de divulgação de conteúdo de forma dinâmica, on line, à distância. E essas precisam ser incorporadas para termos um mínimo de horizonte a vislumbrar num futuro próximo.
Alguns cases de sucesso podem ser apresentados para ilustrar como a nova geração de espíritas já está se adaptando aos novos meios de produção de conteúdo. O videoblog/canal no Youtube Meninas Espíritas é um exemplo e já conta com mais de 13.000 inscritos. Feito por jovens e tendo Carol Oliveira como principal apresentadora dos temas, os vídeos abordam diversos assuntos da atualidade ou basilares do corpo Doutrinário de forma divertida, com linguagem jovem e embasamento moderno. Suicidio, reencarnação, homossexualidade, mediunidade e tantos outros já contam com mais de 385.800 visualizações desde a sua criação, em 2016. O perfil no Facebook, conta com mais de 38.000 seguidores.  

 

O WebCurso de Espiritismo, lançado pelo CPDoc, também é uma tentativa feliz em inovar nos meios de produção de conteúdo. À exemplo dos cursos à distância (EADs) que já são amplamente difundidos nos meios acadêmicos, os WebCursos Espiritas visam reunir pessoas de diferentes locais, com flexibilidade de horário de estudo. Os módulos abordam os princípios básicos: Deus, Espírito e Matéria; Reencarnação; Mediunidade; Ética e Moral; O que é Espiritismo. Em suas 8 edições, já contou com mais de 700 inscritos.



Aproveitando a familiaridade com o ambiente on line, é urgente que as organizações de encontros presenciais incluam a transmissão ao vivo como parte da programação. A diversidade de ferramentas, inclusive gratuitas, disponibilizadas na Internet é enorme e precisamos incorporar como parte de congressos, simpósios, reuniões e festas das casas. Para promover a inclusão daqueles que, por algum motivo, não puderam comparecer presencialmente: dinheiro, distância, falta de tempo, interesse em parte dos temas apresentados etc.  Isso oferece, no mínimo, a certeza de que a presença – seja pessoalmente ou on line – de cada um dos participantes é fundamental e importante, valiosa como uma possibilidade de contribuição.

Atualizando os modelos de geração de conteúdo, cria-se maior chance de
atrair e reter a participação de jovens para o Espiritismo, questão urgente para a continuação da obra Kardecista. Os centros estão envelhecendo: os dirigentes invariavelmente são fundadores ou filhos dos fundadores das casas e os jovens, quando estão na casa, ficam restritos a reuniões especificas para este público, com pouca ou nenhuma participação efetiva nas diretrizes, estratégias e produção e divulgação de conteúdo relevante. O resultado é um cenário ameaçador para um futuro próximo já que a retenção de novos pensadores não é uma questão prioritária no planejamento dos centros. E a origem do problema pode ser justamente a não formação de laços afetivos e significativos desse jovem desde a infância para com o centro, as pessoas, a Doutrina em si. Se, há décadas atrás, as reuniões contavam com 50 ou 60 jovens nas mocidades, a realidade hoje é bem diferente.

            Desta forma, é responsabilidade dos pais e avôs que percebem a relevância da presença e participação nos ciclos de estudo, buscarem alternativas, atrativos e, principalmente, incentivos para fazerem com que o Espiritismo seja parte fundamental da educação e formação dos jovens, incluindo na rotina da família o espaço para o estudo, assim como o Inglês, a Natação, o Escotismo e tantas outras atividades já “obrigatórias” na infância. Mas, principalmente, abrirem-se ao novo: internet, blog, vlog, canais de vídeos, projeções, projetos interdisciplinares. Enfim, todas as novas ferramentas, velocidades e pontos de vista que vêm com essas novas gerações.

            De tudo, o mais importante, urgente e necessário é a revisão da postura Espírita em relação aos próprios Espíritas. É valorizar o conhecimento humano que cada freqüentador traz em si e que pode ser fonte de muito aprendizado, colaboração, crescimento. É preciso que haja um esforço consciente de todos, encabeçados pelos dirigentes das casas, para se prestar atenção aos que lá estão sentados aguardando uma oportunidade de resolver questões internas e partir para o trabalho. Retomar sorrisos, historias, interesse genuíno, com afeto, respeito, importância.

            Falar de Humanização do Espiritismo nem deveria estar na pauta de trabalhos, palestras, artigos. É uma redundância que corrói, machuca os companheiros de jornada que buscaram nos centros um pedido de socorro, de crescimento, de liberdade. E, infelizmente, muito se tem errado ao tapar olhos e ouvidos a essas solicitações. Perde não apenas a pessoa em si, como perdem as casas, a Doutrina. E se a vigília for constante, atenta, notar-se-á tantos e tantos episódios que acontecem todos os dias ao nosso lado: um olhar desatento, um comentário maldoso, uma conversa desnecessária, uma decisão unilateral, uma perseguição política. E a troco de que? Certa vez, um dirigente espiritual disse irônico: “não entendo certas coisas, afinal, o salário de presidente do Centro é altíssimo não é mesmo?”

            Que a inquietação possa gerar atualização das instituições para humanizar a prática de uma filosofia de vida cuja ética não permite o contrario. Que sejamos Espíritas de alma, correndo no sangue, diariamente a cada decisão, a cada trato com o outro. Que os livros não morram dentro dos Espíritas como um pesado fardo de conhecimento não aplicado porque a correria da era moderna tomou espaço da fé, da espiritualização, da moral. Que tenhamos humildade de rever conceitos, coragem de cobrar de si e dos outros uma postura fiel ao que oramos à platéias lotadas. E que tenhamos amor ao próximo, a si mesmos, à Doutrina que escolhemos.

            O caráter e a inteligência podem impressionar as pessoas, mas é o amor que damos a alguém, que nos fazem brilhantes e inesquecíveis em sua vida. Porque o amor, torna as pessoas indispensáveis. Assim, se você quiser ascender um sorriso, iluminar um coração ou acordar a esperança em alguém, precisa se lembrar de uma coisa: as pessoas se alegram com sua inteligência, apreciam o seu caráter, mas precisam mesmo é do seu amor” – autor desconhecido.


Anexo 1
Matéria publicada no site globo.com em 11/08/2017

Mal súbito é a principal hipótese investigada pela Polícia Civil para explicar a morte do engenheiro desaparecido que foi encontrado morto no banheiro da Federação Espírita do Estado de São Paulo (Feesp), centro da capital paulista. Claudio Arouca tinha sumido no dia 13 de julho e só acabou achado dois dias depois por um funcionário da limpeza do prédio.
Além de morte natural, são investigadas outras hipóteses para esclarecer o caso: suicídio ou homicídio. Mas essas duas últimas são mais remotas porque o G1 apurou que a investigação obteve informações preliminares da perícia de que a vítima não tinha marcas de violência pelo corpo.
Além disso, o homem de 49 anos estava com sobrepeso e teria histórico familiar de problemas cardíacos. Seria mais plausível, portanto, que pudesse ter tido um infarto, por exemplo. Mas somente o laudo necroscópico do Instituto Médico Legal (IML) poderá confirmar essa possibilidade. O documento ainda não ficou pronto. O resultado deve sair em até dois meses.
Porém, para Claudio ser enterrado no cemitério de Embus das Artes, na Grande São Paulo, o atestado de óbito foi expedido à família com a informação ‘causa da morte a esclarecer’.
Por conta disso, quase o um mês depois o 1º Distrito Policial (DP), na Sé, ainda investiga o caso como ‘morte suspeita’. Os policiais dependem do laudo com a causa da morte para poder encerrar a investigação e arquivá-la.
Enquanto isso, a polícia analisa imagens de câmeras de segurança que mostram o momento que Claudio chegou de carro ao estacionamento da Federação Espírita. Também teriam filmagens gravadas com a entrada dele na sede da entidade.

Críticas
O veículo usado pelo engenheiro seria da namorada dele, uma mulher que frequentaria a Feesp. Claudio teria se convertido recentemente ao espiritismo e iria ao local fazer tratamento espiritual. A reportagem não conseguiu localizar a namorada do engenheiro para comentar o assunto nesta sexta-feira (11). Por telefone, a ex-mulher de Claudio falou ao G1 que a família está apreensiva sem saber o que aconteceu. "Os exames que foram feitos na hora no IML [Instituto Médico Legal] não foram conclusivos", disse a dentista Adriana Colombo, de 50 anos. A dentista também criticou a Federação Espírita porque, segundo ela, a entidade dificultou o acesso da família a informações sobre o caso. "A postura da federação aumentou nosso sofrimento e dor", disse Adriana.
Funcionários da Federação disseram à reportagem que não têm suspeitas do que pode ter acontecido com Claudio. O G1 ainda procurou a Feesp para comentar o assunto. Até a última atualização desta matéria, os responsáveis não haviam retornado o contato. Mas em nota publicada em seu site, a entidade informa que tomou "todas as providências possíveis junto às autoridades e também para localizar os familiares, que foram acolhidos e apoiados no 8º andar da FEESP. Adriana teve três filhos com Claudio, de quem se separou. A dentista falou ainda que o ex-marido se dividia entre São Paulo, onde administrava os imóveis da família, e Eunápolis, na Bahia, onde morava.
"A gente não sabe de nada, mas quero que tenha sido natural [a morte], porque nos daria mais conforto", afirmou a ex-mulher de Claudio. "Disseram que os exames que irão apontar a causa da morte demoram dois meses para ficarem prontos."
Federação Espírita
Em um comunicado postado em seu site, a Federação informa que "a Polícia Civil continua realizando investigações sobre o ocorrido e o Instituto Médico Legal da Superintendência da Polícia Científica está periciando o material colhido, para fornecer o laudo médico legal."
A Feesp diz ainda que "assim que recebermos esses laudos comunicaremos a todos os resultados e os esclarecimentos."


ANEXO 2
Desumanização no movimento espírita
Publicado em 23 de julho de 2017 por Dora Incontri
https://blogabpe.org
O assunto é pesado, mas não podemos nos omitir em tecer algumas reflexões em torno de um episódio ocorrido dias atrás na Federação Espírita do Estado de São Paulo. Chequei a informação em diversas fontes, antes escrever esse texto. Resumindo, para quem não soube ou não leu nas redes sociais, um companheiro espírita, Claudio Arouca, ficou desaparecido mais de 48 horas e a última notícia que se tinha dele era de que ele estava na FEESP. A família, depois de algumas horas do desaparecimento, desesperada, procurou a instituição e, pelo que narraram, não foi acolhida, não lhe foram fornecidas as gravações das câmeras e ninguém procurou pelo desaparecido. Apenas 48 horas depois, receberam da própria FEESP um telefonema dizendo que o corpo tinha sido encontrado no banheiro. Mas nem assim, foram melhor tratados. Não puderam ter acesso imediato ao familiar que havia morrido de um enfarte, porque estava havendo uma festa na Federação.
Só depois de muitas horas, o corpo já em putrefação, de que não puderam fazer nem velório, foi retirado. Além de todo surrealismo da situação, ainda foram destratados pela diretoria.
Esse episódio não me surpreende porque há muito que a FEESP é uma instituição onde a briga por cargos e poder já levou até a polícia lá para dentro, onde a impessoalidade é a tônica da uma instituição que cresceu tanto que perdeu  o caráter de acolhimento humano – o que se revela no extremo de uma situação como essa, que aqui comentamos.  O problema é que a desumanização de instituições espíritas tem sido um sintoma muito grave de parte do movimento.
Sem dúvida que esse movimento reflete um cenário do mundo pós-moderno, hipercapitalista, em que o ser humano está cada vez mais perdendo as referências de ser humano. Justamente na semana desse acontecido, havia lido uma reportagem pavorosa no El País, em que se conta de pessoas que têm sido encontradas mortas há 3, 4, 5 anos na Espanha, mumificadas pelo clima seco e de que ninguém deu pela falta delas. Nenhum contato na vizinhança, pessoas sem familiares, sozinhas, solitárias, abandonadas.
Há algo mais estarrecedoramente desumano e triste do que essa morte sem nenhum afeto, sem nenhuma presença, sem nenhum cuidado? E, de repente, vemos um fato como esse do companheiro Claudio Arouca (que os Espíritos bons cuidem dele como devem estar cuidando!), ocorrer dentro de uma instituição que se diz espírita!
Cabe-nos, portanto, questionarmos o que estamos fazendo enquanto movimento para nos diferenciarmos e resistirmos a essas tendências do mundo pós-moderno, em que o ser humano nada vale e não é notado olhos nos olhos e respeitado enquanto pessoa?
Kardec achava que os melhores centros espíritas (e isso está no Livro dos Médiuns) são centros pequenos, familiares, onde todos se conhecem e se gostam, pensam de forma afinada, estejam em sintonia afetiva e espiritual. Ora, no Brasil, há centros que viraram Igrejas, frequentados por multidões, impessoais – tem até alguns com catraca eletrônica – onde não há nenhum aconchego, nenhum olho no olho e se alguém que, mesmo frequentando a instituição há anos, tiver um comportamento fora da regra, é reenviado ao atendimento fraterno e se reincidente, expulso sem compaixão.
Claro que nada disso tem a ver com princípios como fraternidade, amor ao próximo, caridade ou o que se queira evocar. São centros em que a burocracia tomou o lugar da relação humana e afetiva. Ora, é evidente que num contexto desses, os Espíritos superiores não podem atuar.
É que se observa nesse caso da FEESP. Das pessoas que foram contactadas pela família (não sei quantas foram), por que não houve nenhuma que sentiu qualquer inspiração que o desaparecido estivesse ali na casa? Os Espíritos amigos do desencarnado e da família não tiveram a mínima brecha positiva para inspirar alguém. A desumanidade leva ao endurecimento e ao empedramento da mediunidade.
Tudo muito triste. Mas é necessária uma reação enérgica e vital. Saibamos de novo nos reunir em grupos pequenos, saibamos de novo cultivar amizades sólidas em grupos afins, em que cuidemos uns dos outros, com preocupação e empatia, sintonia e abertura para a inspiração do Alto.
Ainda é tempo de retomarmos o Espiritismo caseiro, onde os Espíritos bons se comunicam, em que todos estudam e participam espontaneamente, sem hierarquias e disputa por cargos. Que o amor despojado seja a tônica das relações entre encarnados e entre encarnados e desencarnados!


ANEXO 3
Mais algumas reflexões sobre a Desumanização no Movimento Espírita
Publicado em 31 de julho de 2017 por Dora Incontri
https://blogabpe.org
Não costumo dar sequência a artigos publicados no blog e muito menos em resposta aos comentários feitos. Mas a postagem da semana passada Desumanização no movimento espírita rendeu centenas de comentários e mais de 33 mil visualizações. Parece que mexemos numa ferida aberta e é preciso falar mais para pensarmos em soluções, remédios e melhoras.
Primeiro, a resposta aos que me criticaram por não ter ouvido o outro lado. Sou jornalista profissional e sei muito bem o que faço em termos de fontes. Chequei com várias pessoas (claro que não posso citar as fontes) e o ocorrido foi exatamente o que relatei, no caso da desencarnação de Claudio Arouca na Feesp. Felizmente, a família se sentiu confortada com o meu artigo e com o apoio que recebeu de muita gente por causa dessa publicação. Então isso já basta.
O fato, porém, extremo e lamentável, serviu como um exemplo de uma tendência no movimento espírita em geral. Nossa crítica não é pessoal à Feesp, quisemos fazer uma reflexão mais ampla. Tanto é verdade que não foram poucas as mensagens e comentários que recebemos, contanto casos, apoiando a reflexão proposta e dizendo muitos que não frequentam mais centros espíritas (aliás nem pequenos, nem grandes), porque se depararam com autoritarismo, burocratização, descaso, luta por cargos, falta de acolhimento, exclusões, etc. Cito esse caso abaixo, só para exemplificar:
“Em 1994, dezembro, estava com minha filha num hospital de SP. Ela havia feito uma cirurgia cardíaca e estava em coma. Depois da entrevista com médicos que a desenganaram, saí sem rumo; triste e sozinha. Havia levado o endereço de um centro espírita de uma médium famosa por seus romances. Entrei, sentei e comecei a chorar. Umas mulheres estavam arrumando o centro. Nem me olharam. Depois de um tempinho, sem se aproximarem, disseram o dia do passe. Enxuguei as lágrimas e fui embora. Precisava de apoio, aconchego, como sempre encontrei no centro que frequentava. As paredes do tal centro cobertas de reportagens de revistas com fotos da médium.”
Nessa mesma linha de denúncia, neste mês, o Jornal Crítica Espírita, publicou uma matéria de Franklin Felix, com muitos relatos de perseguição política e partidarização em centros espíritas. Então, o que acontece? Vamos ficar calados, de braços cruzados, colocar panos quentes? Fingir que somos um movimento fraterno, amoroso e caridoso? É óbvio que há muita gente boa no movimento. Viajo Brasil afora e conheço instituições e pessoas que ainda guardam o espírito acolhedor e amoroso que faz parte da ética espírita-cristã. Mas ouço também inúmeros relatos de expulsões, discriminações, brigas internas… Enfim… dirão: seres humanos são assim. É verdade. Mas seria de se supor que pessoas que adotam uma filosofia de vida como a espírita estivessem ensaiando um comportamento melhor.
Quero levantar aqui duas hipóteses explicativas para esse problema. Primeira, lembro do filósofo francês Henri Bergson, que escreveu uma obra-prima, sempre muito citada por Herculano Pires: As duas fontes da moral e da religião. Nesse livro, ele expõe uma tese de que movimentos religiosos e novas formas de moralidade, quando nascem, brotam da fonte espiritual legítima, com seus iniciadores, animados do élan evolutivo. Mas depois, com o tempo, se cristalizam, se institucionalizam e portanto, vão perdendo vida e impulso, vivência e amor.
Não foi o que aconteceu com o Cristianismo? Em seu livro História do Cristianismo, Paul Johnson tem a sua primeira parte intitulada: De mártires a Inquisidores. Impressionante relato de como aquele primeiro movimento lançado por Jesus, no seio de apóstolos (que aliás, já começaram a se desentender entre si – veja-se o conflito entre Paulo e Tiago), foi se tornando a Igreja poderosa e inquisitorial. Mas no seio dela, sempre ressurgiram aqueles que tentaram voltar à simplicidade e à fraternidade primitivas. Francisco de Assis, por exemplo, e tantos outros. O próprio movimento da Reforma protestante se deu também na tentativa de voltar às bases do Evangelho. E novamente, houve um esfriamento, uma institucionalização. 150 anos depois da morte de Lutero, o movimento pietista, dentro do próprio protestantismo, tentava revigorar o espírito de simplicidade e acolhimento e recomendava o culto do Evangelho no lar, a reaproximação aos ensinos de Jesus… Pestalozzi teve essa influência.
Então, já dá para concluir que nós, espíritas, estamos no mesmo caminho: institucionalização (quando falo esse termo, estou me referindo à uma situação em que regras, burocracias, cargos, dinheiro, poder, valem mais do que o ser humano), perda de fraternidade real, esfriamento das relações humanas. Por que acontece isso? Agora vamos à nossa segunda hipótese explicativa.
A adesão dos seres humanos à moral proposta pelas diversas tradições espirituais da humanidade se dá muitas vezes de maneira exterior. Adota-se uma postura artificial, de bondade, de fala mansa, de pseudocaridade, mas não houve de fato uma revolução interna profunda – coisa aliás que só se dá num processo de autoeducação e de terapia simultaneamente, com a coragem de nos olharmos como somos, nossas feridas, procurando curá-las, sem dissimulação. Esse fenômeno, Jesus já combateu: é o farisaísmo. A pessoa se traveste de santa, mas de santa não tem nada. E infelizmente ocorre entre católicos, budistas, protestantes, espíritas…
Se alguém discorda, é fraternalmente enviado para a desobsessão; se alguém migra de um centro para outro, de uma cidade para outra, de um Estado para outro, é obrigado fraternalmente a recomeçar o Espiritismo do zero, porque não se aceita o que a pessoa traz de bagagem de aprendizado e de anos de serviço prestado; se alguém se opõe a alguma regra ou conduta (muitas vezes com razão e mesmo que não fosse com razão) é convidado fraternalmente a sair do grupo…
Quando se limita o debate, quando não se sabe discutir ideias, porque só há melindres e vaidades, estamos entrando no campo do farisaísmo, da falta de autocrítica, da cristalização, que leva à intolerância e que mais dia menos dia nos pode levar a atitudes inquisitoriais. Quais os caminhos para remediar essa situação:
  • Façamos grupos pequenos, em casa ou no centro, com pessoas reconhecidamente afins, sinceramente interessadas em estudar, praticar a mediunidade e devotar-se ao bem;
  • Estudemos Kardec em profundidade;
  • Desierarquizemos as relações: todos devem ser ouvidos, as lideranças devem deixar de lado vaidades e vontade de poder (para isso uma boa terapia ajuda);
  • Façamos todos uma autoanálise diária, constante, de nossas atitudes e sentimentos (sobretudo de sentimentos, porque deve haver uma coerência entre eles e nossas ações);
  • Não forcemos a barra de uma santidade prematura, somos pessoas normais, em aprendizado constante;
  • Não idolatremos ninguém e nem nos deixemos idolatrar; sejamos enérgicos quanto a isso;
  • Não tenhamos mestres no espiritismo, somos todos aprendizes;
  • E se participamos de alguma instituição já rendida a essas práticas burocráticas e desumanizadas, com lideranças inquestionáveis, se depois de tentarmos melhorar as coisas, nos sintamos ainda incomodados ou indignados, retiremo-nos sem medo, fundemos outras casas ou façamos o espiritismo doméstico – mas não deixemos nunca essa doutrina libertadora, por causa daqueles que não se libertaram a si mesmos!


ANEXO 4

Desumanização do Espiritismo

Carol Régis e Reinaldo Di Lucia – publicado no Jornal Abertura (ago 17)/ http://icksantos.blogspot.com.br
Desumanização do Espiritismo?
Uma pessoa desencarna dentro das dependências da Federação Espírita do Estado de São Paulo e a família busca por informações com os dirigentes da casa. Segundo noticias, os responsáveis pela FEESP limitaram informações, dificultaram buscas e trataram friamente o caso, até encontrar, no banheiro, dois dias depois, o corpo do desaparecido, sendo obrigados a notificar os parentes para as devidas providências.  Alguns traços apontados como frieza no tratamento ao fato em si e à família, levaram a Jornalista Dora Incontri a escrever um pertinente relato sobre a “desumanização do espiritismo” (www.blogabpe.org).
Foi massacrada e ovacionada nas redes sociais, com recorde de leitura, reposts, compartilhamentos e comentários sobre o assunto, como não devia deixar de ser. Diante da repercussão, Dora  escreveu novo texto, tão brilhante quanto o primeiro, trazendo relatos semelhantes de falta de trato entre os Espiritas e, como não poderia deixar de ser, propostas de solução à questão.
Apontando as brigas por poder e a Institucionalização demasiada no movimento Espirita moderno – e não apenas na FEESP – como possíveis responsáveis pela postura observada em tantas casas, Dora expôs uma ferida velada, mas sentida por muitos. A mecanização no funcionamento das reuniões, as grades a cumprir, os trabalhos a entregar, os números a aumentar, as parcerias a fazer, os convidados obrigatórios a palestrar e tantas outras atividades “fordianas” que tomaram conta das rotinas nos centros, ocupou o lugar antes reservado à caridade, ao assistencialismo, ao abraço fraterno, ao conhecer os nomes e as famílias e as dores de cada freqüentador.
Discutir a “Desumanização do Espiritismo” deveria ser tão absurdamente redundante quanto ainda termos que falar em preconceito racial, em diferença entre sexos no mercado de trabalho, em aceitar ou não as opções sexuais – por nós há muito tempo defendido como assunto que já nem mereceria mais espaço, dada a obviedade humanística. É ultrajante saber que o Espiritismo está Desumano, uma vez que o objeto principal da doutrina Espírita é o Ser Humano, sua essência, encarnada ou desencarnada.
É percebida, em diferentes cidades e diferentes casas, uma necessidade geral da retomada de um Espiritismo próximo, pessoal, caridoso, que foi se distanciando há tempos, com a chegada de agendas lotadas de atualizações filosóficas – necessárias também – que, na verdade mesmo, resultaram em pouca mudança prática no Espiritismo. A era da atualização foi necessária, era preciso romper, foi preciso estabelecer novos horizontes. Mas pecamos em deixar em segundo plano o lado mais precioso da Doutrina: os Espíritas. Aqueles que sentam nos bancos em busca de algo: consolo, passe (chame como quiser), estudo, conversa, ouvir, ser ouvido, fazer parte, sentir-se integrante. E que estão a mercê de diretorias com metas a cumprir, prazos, planejamentos nem sempre alinhados aos interesses dos principais interessados: eles mesmos, os  próprios frequentadores.
Quantos de nós sabe os nomes dos novos freqüentadores, quantos filhos possuem, seus dramas pessoais, seus interesses a curto e médio prazo no centro? Quantos se preocuparam em ajudar, com pouco que seja, uma instituição assistencial necessitada – mas não aquela, que ajudamos sempre? Quanta ajuda, genuína, oferecemos àquele companheiro de casa que está desempregado, que perdeu um ente querido, que está doente? Estamos sabendo aproveitar o talento humano que passa pelos bancos espíritas, ou estamos apenas os direcionando para a reunião X, Y, Z de atendimento?  A desumanização ou humanização Espirita, não é lá, longe, na FEESP. É uma postura diária, no nosso centro, no nosso Eu. É o olhar o outro, mas, sobretudo, a si mesmo e perguntar onde foi parar aquele Espírita, de ideal, que fazia campanha assistencial, que era famoso por palestras cheias de compaixão e que abraçava, um a um, os companheiros de jornada.
Anexo 5Comunicado Oficial FEESP sobre a morte de Claudio Arouca (ago17)
Como é do conhecimento geral, ocorreu o óbito do jovem senhor CLAUDIO AROUCA nas dependências da FEESP. Comunicamos que a Polícia Cívil continua realizando investigações sobre o ocorrido e o Instituto Médico Legal da Superintendência da Polícia Científica está periciando o material colhido, para fornecer o laudo médico legal. Assim que recebermos esses laudos comunicaremos a todos os resultados e os esclarecimentos. Aproveitamos para esclarecer que, assim que fomos informados do fato, imediatamente tomamos todas as providências possíveis junto às autoridades e também para localizar os familiares, que foram acolhidos e apoiados no 8º andar da FEESP, pela Presidência e membros da Diretoria da Federação Espírita do Estado de São Paulo, durante todo tempo que aqui permaneceram, até a saída do corpo, que foi enviado ao Instituto Médico Legal no final da tarde. Simultaneamente a essas providências encaminhamos o nome do Sr. Claudio Arouca para ser assistido em nossa Assistência Espiritual, P3C – CONSOLO (sábado – 14:00 horas), juntamente com nossos pedidos de amparo e sustentação a todos os seus familiares. Continuamos em prece pedindo a Jesus que ampare a todos os envolvidos neste triste episódio.


Anexo 6 – Editorial publicado na Revista Crítica Espírita – ano III – Jun/17
Caras leitoras e caros leitores, para quem costuma assumir tarefas ou se envolver em atividades no Centro Espírita, é muito comum tomar conhecimento de, ou mesmo vivenciar, processos de intolerância, de perseguição, de expulsão e de maus-tratos causados por outros trabalhadores no Centro Espírita.
Isso se dá pelas mais variadas razões e é de uma complexidade que dificilmente podemos, se for o caso, ficar tomando partido tão rapidamente, sob pena de agirmos injustamente com os envolvidos, cada um com suas versões e justificativas. Algumas vezes, isso se dá por simples falta de afinidade. Porém, não são poucos os casos em que pequenas questões tomam uma proporção tal que vira caso pessoal, que gera um ódio entre pessoas que, da boca para fora, afirmam que devemos amar o próximo.
De qualquer modo, se um Grupo Espírita é uma proposta de sociabilidade espiritualizada, regenerada, um local para desenvolvermos comportamentos e valores de honestidade, tolerância, empatia, de superar o “ser velho” em busca do “ser novo”, de vencer preconceitos e imperfeições arraigadas, então parece que alguma coisa está muito errada diante do fato de ser tão comum esses casos de intolerância, perseguição, expulsão e maus-tratos entre espíritas.
Por isso, a edição desse mês, que se propõe a discutir esse tema publicamente, está um pouco diferente. Na forma, claro, onde teremos a Matéria de Capa e a Opinião do Editor.  Na matéria de capa, o psicólogo Franklin Félix atendeu ao desafio de colher relatos de pessoas que sofreram esses tristes processo. E, com muita competência, o autor apresenta uma base sólida não só para compreendermos onde estamos, em termos de movimento espírita brasileiro, mas também como podemos (e devemos) melhorar.
O texto conta com depoimentos de pessoas que enfrentaram essa situação, a maioria motivada por questões políticas, apesar de ser bem variável o repertório de exclusões. Por óbvio, como foi dito, esses processos são complexos. Cada situação é particular e cada um lida de uma forma. Como nunca tivemos a pretensão de sermos os donos da verdade e respeitamos sua inteligência para elaborar as suas próprias convicções, deixamos que você tire suas conclusões e aproveite para se autointerpretar a partir dos casos que foram compartilhados, sempre com o desejo de que essa abordagem possa provocar reflexões e melhorias, mudanças de postura e renovação. Na Opinião do Editor, abordamos sobre a “Reforma Trabalhista”, um atentado legislativo à dignidade do trabalhador.  Em  meio  a  mudanças  políticos  lacaios  e lambe-botas do capital jogaram, mais uma vez e covardemente, todo o peso da situação socioeconômica brasileira nas costas dos mais vulneráveis.
Desse modo, renovando nosso propósito de fazer espiritismo dialético, que dialogue com o seu tempo, trazendo temas importantes e permitindo que você formule seu próprio sistema de pensamento, desejamos uma excelente leitura!
Os editores - Em tempo: tomamos conhecimento (via redes sociais), especialmente por familiares, sobre uma suposta negligência da Federação Espírita de São Paulo (FEESP) quanto ao desaparecimento de um frequentador, o Sr. Cláudio Arouca. Como o último local onde o Sr. Cláudio se comunicou foi na FEESP, inclusive, seu carro estaria no estacionamento, os familiares foram ao local para acessar os registros das câmeras de segurança, o que, além de ter sido negado, também não receberam qualquer informação.
No dia 14.07, após diversas ligações para IML, hospitais, delegacias, e depois de verificarem nas câmeras de segurança de imóveis próximos e nada encontrarem, os familiares retornaram à FEESP. Ali, novamente foi negado o aces- so às câmeras de segurança e nenhum apoio foi dado.
Em 15.07, foram mais uma vez à FEESP, onde foram informados de que um corpo havia sido encontrado num dos banheiros do prédio. Porém, não bastasse a negligência na busca do desaparecido, a Federativa ainda teria dificultado os familiares em reconhecer o corpo (que estava no banheiro!) por causa de um evento que estava sendo realizado naquele momento.
Sem qualquer intenção de sensacionalismo, que definitiva- mente não é nosso objetivo, inclusive, sentido certo mal-estar em ter que veicular esse tipo de informação, o caso relatado, se verdadeiro, é de uma gravidade absurda, não apenas de ordem moral, mas também criminal. Por isso, buscando fidelidade aos princípios que esposamos, em primeiro lugar, manifestamos nossos mais sinceros sentimentos de paz e reconforto ao espírito que desencarnou e aos familiares, especialmente após vivenciarem toda essa situação dramática. Em segundo, esperamos uma posição da FEESP e a responsabilização civil e penal dos envolvi- dos. Em terceiro, diante de tamanha indiferença diante do sofrimento alheio, esse caso mostra, como temos reiteradamente abordado, que precisamos urgentemente repensar o espiritismo e o movimento espírita no Brasil.