segunda-feira, 29 de julho de 2013

AS MUTAÇÕES DAS ESTRUTURAS MENTAIS por Jaci Régis

AS MUTAÇÕES DAS ESTRUTURAS MENTAIS COMO CONDIÇÃO PARA A MUDANÇA



Allan Kardec elaborou a Doutrina para um tipo de adepto capaz de mudar, de transformar, de aceitar o novo, sem desestruturar-se.

Uma exigência bastante difícil de ser aceita por um grande número, talvez a maioria das pessoas.

Porque, psicologicamente, as pessoas tendem a se acomodar, a ser conservadoras.

Cada pessoa, direi Espírito, para situar a construção dos conceitos através do tempo e encarnações, vai sedimentando conhecimentos e experiências Essa estrutura mental define a individualidade permanente, cerne, base, fundamento das personalidades que cada um de nós assume nas várias encarnações. E determina o perfil psicológico do ser.

É um processo complexo e desenvolve uma visão particular, um código com o qual o conjunto da vida é decodificado. Cria a própria e específica interpretação dos fatos, das idéias, a partir dessa maneira pessoal de olhar, sentir e perceber fatos e idéias.

As estruturas mentais se tornam, pois, consistentes, como fatores constitucionais do ser e vão sendo consolidadas:

a) pela força dos modelos culturais, insistentemente repetidos e mantidos, seja pela instituição familiar, pela classe social, pelos clãs, sobretudo pela crença religiosa, através processo evolutivo atemporal;

b) por convicções específicas que atendem à visão de mundo que cada um desenvolve por afinidades de afetos (perspectivas, sonhos) ou compensação (medos, angustias, etc.);

c) como forma de manter-se relativamente estável (mesmo na loucura) diante das incertezas naturais ou alucinadas.

Tais estruturas constitucionais, pertencem ao acervo espiritual e podem persistir encarnação após encarnação, com modificações pontuais, até que sejam abaladas por fatores variados.

Então, o abalo é assimilado ou rejeitado produzindo reações contraditórias:

a) às vezes as reações são violentas, agressivas, como recursos de salvaguarda da própria estrutura mental existente, surgindo condutas de confronto como medida de força e inibição da diversidade conceitual. São os choques religiosos, por exemplo, entre facções adversárias.

b) outras vezes, o ser desenvolve desvios conceituais, argumentação falaciosa para sustentar antigas convicções ou, também, pode simplesmente tornar-se indiferente negando-se a perceber os abalos da convicção nela permanecendo acomodado

c) não poucos entregam-se ao desalento e à descrença. Quando esse estágio move-se para uma busca de outras alternativas ou respostas, inicia-se um período de grande conturbação interior.

Abre-se um vazio existencial.

Medos, ansiedades estão na base desse processo de definição existencial. Mesmo nas mentes que possamos considerar razoavelmente sadias, subsiste, também, o medo de mudar.

A angústia do novo provoca um longo período de incertezas. Nem sempre a clareza de raciocínio é fator positivo no processo de mudança. Muitos apenas alcançam novo nível de acomodação mental. Refugiam-se numa determinada crença, seja espiritualista ou materialista e não chegam a elaborar uma nova visão de homem e de mundo.

Porque há uma diferença sensível entre a acomodação e a mudança. A mudança representa a descoberta, um novo caminho, um novo entendimento. A acomodação é uma forma sutil de manter as mesmas posições, com formas e modos meramente exteriores.

Além disso, a incerteza generalizada sobre as razões mais profundas da vida e a inevitabilidade da morte, desenham o quadro final desse complexo.

Mudar é, pois, um processo traumático.

Podemos, figurativamente, ilustrar esse processo na visão de uma árvore frondosa, cheia de folhas verdes no verão, que se desnuda e fica com galhos secos e nus, no outono e inverno, e que novamente refloresce e se enche de folhas verdejantes.

O primeiro momento é o tempo em que a pessoa está confiante e confortável com suas crenças, idéias, seu modo de ser.

O segundo momento é o tempo de transição, da dúvida, do questionamento, do abandono de crenças, idéias, acalentadas e muitas vezes muito sedimentadas.

O terceiro momento representa a recuperação das idéias, das crenças, em novo sentido, prisma e conceito.

Muitos temem o segundo momento, os galhos secos, a nudez das folhas, a exposição da alma ao incerto, à insegurança da transição e permanecem com suas velhas folhas, sem coragem, disposição ou necessidade de atravessar esse outono-inverno , esse trânsito da certeza para a incerteza em busca de novas certezas.

Entretanto, sem essa mutação a árvore fenece e não pode produzir flores e frutos.

Duro é o discurso da mutação, da mobilidade conceitual.

Transcrevo as linhas de carta que recebi, num momento de transição de nossa vida espírita, de um ex-companheiro de doutrina, dotado de inteligência e trabalhador assíduo do movimento, ao se despedir, ausentando-se da luta que travamos:

A revisão de valores que você tem comandado e que eu, em bem reduzida parte cooperei, ganhou um ritmo para mim acelerado, acima da minha capacidade de apreensão. Em alguns momentos, tudo isso tem me confundido a mente. O que era não é, o que valia não vale mais. Olhar para trás significa auto-acusação. Aí vem o desconforto duro, porque foram muitos anos de empenho, trabalho e crença, que chamamos ideal. E pôr outras coisas nesse espaço não tem sido fácil.

É preciso advertir que essa flexibilidade mental, que se permite examinar as contradições e ouvir as incertezas internas e não desestruturar-se com a queda de crenças, mitos e idéias a que se consagrou durante muito tempo, não tem uma relação objetiva com escolaridade.

Faço esse apontamento porque serão inevitáveis as críticas ao elitismo ou à ironia sobre os "doutores" e outros mecanismos de que se servem intelectuais que, não obstante, combatem a intelectualidade, supondo que os "simples" seriam excluídos, sendo que denominam "simples" os que não possuem condições mínimas de entendimento e, por isso, engrossam as fileiras dos freqüentadores e - pasmem! - de certos dirigentes dos centros espíritas.

Um pormenor importante nessa elucubração é que não se trata de pessoas "letradas" no sentido eufemístico ou pretensioso. Mas de pessoas capazes de refletir, de pensar e crescer, independente de títulos. É claro que, quando o país luta para livrar-se totalmente do analfabetismo, não seria a doutrina que louvaria a não-cultura.

É uma questão de amadurecimento e de assumir uma nova rota, quando a que se trilha se esgotou.

Friso isso porque muitos não evoluem, desiludem-se.

Não crescem, abandonam o caminho.

Não questionam profundamente; reclamam , mascarando o sofrimento e o medo de mudar.

O princípio do progresso das idéias inclui a negação simbólica para abrir espaço ao debate e à crítica, fertilizando as idéias.

Como afirmei, existe uma tendência à acomodação no processo de aprendizagem. E o progresso no que tange ao pensamento espírita é, sem dúvida, um processo de aprendizagem.

Como diria Mc Lhuan, referindo-se à escola dos tempos de mudança, que o aluno deveria saber aprender, desaprender e reaprender, dada a mutação constante dos fatores.

Na verdade, é preciso abrir um parêntese, para afirmar, segundo meu entendimento, que a mudança de paradigmas é um processo secular, enquanto a mudança dentro dos paradigmas é um processo de mutação constante. Ou seja, só se muda um paradigma quando este esgotou sua capacidade de aceitar a reciclagem das idéias, por estar saturado de obscurantismo ou cristalizado de tal maneira que não possibilita nenhuma forma de questionamento.

Nesse sentido, não creio que os paradigmas estabelecido por Kardec estejam superados, mas que permitem ainda uma reciclagem de linguagem e de sentido, sem perder as ligações originais.




O Adepto do Espiritismo



Como, pois, definir o adepto do Espiritismo?

Kardec disse :"Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas más inclinações" (O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XVII, item 4). Embora essa afirmativa tenha sido, quase sempre, entendida sob o aspecto moralista, verificamos que ela caracteriza o espírita como alguém que quer evoluir constantemente, inclusive moralmente.

Encontramos no O Livro dos Espíritos, uma análise interessante sobre o progresso.

779. O homem tira de si mesmo a energia progressiva ou o progresso não é mais do que o resultado de um ensinamento?

O homem se desnvolve por si mesmo, naturalmente, mas nem todos progridem ao mesmo tempo e da mesma maneira; é então que os mais adiantados ajudam os outros a progredir, pelo contato social.

780. O progresso moral segue sempre o progresso intelectual?

É a sua conseqüência, mas não o segue sempre imediatamente.

780-a. Como o progresso intelectual pode conduzir ao progresso moral?

Dando compreensão do bem e do mal, pois então o homem pode escolher. O desenvolvimento do livre arbítrio segue ao desenvolvimento da inteligência e aumenta a responsabilidade do homem pelos seus atos.

Nesses ensinamentos verificamos como o Espírito, ao longo de sua vida, desenvolve qualidades diferenciadas, retratando as estruturas psicológicas que constrói.

Idéias e sentimentos formam estruturas mentais, que são flexíveis ou inflexíveis, criando bloqueios a serviço da defesa do ser, sempre ameaçado pela incerteza e pelos acontecimentos.

Lembremo-nos que o ciclo nascimento, vida, morte, repetindo-se ciclicamente, é um processo de incerteza constante, até que o Espírito tenha plena e razoável compreensão de sua natureza e perceba a vida terrena como instrumento de sua ascensão, mas que não o reduz a um organismo.

Isso explica as dificuldades e as repetições dos mesmos sintomas, erros e idéias, vida terrena após vida terrena, porque nascer, viver, morrer, não representam, por si mesmos, rupturas estruturais. São condições necessárias para preparar o Espírito para essas rupturas, sob o impacto de descobertas, abalos de crenças e outros fatores externos que mobilizem motivações internas, único caminho para verdadeiras transformações das estruturas mentais.

Daí, a confirmação de que as mudanças são iniciadas na reelaboração de idéias, timidamente assumidas, para depois se tornarem reais, exigindo uma unidade de tempo.

Por isso, a diversidade de prontidão para mudar.

Alguns estão abertos a isso pela assimilação de experiências e porque encontraram um caminho de aplicação da liberdade de pensar e reelaborar.

Outros, retraem-se. Chegam, mesmo, a considerar novas idéias como sadias, excelentes para seus problemas e incertezas, mas titubeiam, hesitam e, muitas vezes, permanecem acomodados.

Por fim, há os que refutam, no momento em que vivem, qualquer possibilidade de mudar, mantendo inflexíveis suas estruturas e nem mesmo considerando a possibilidade de transformação.

O espírita que Kardec aspirava, precisa ensaiar a liberdade de pensar, suportar o medo da travessia, sem precipitação, mas sem relutância, num ritmo certo, pois as mudanças reais são amadurecidas e consubstanciadas.

Não é fácil, por vezes, fazê-lo.

Mas é inevitável fazê-lo.



Contudo, é preciso manter-se atualizado 



Quando Galileu Galilei foi obrigado a desmentir-se publicamente sobre o movimento da Terra. Teria dito, entre dentes "mas se move...". Também, diante da realidade do movimento espírita, muitos poderiam crer que o serviço ao próximo, a consolação que o Espiritismo dá, confere-lhe uma autoridade e uma aura de credibilidade que não pode ser mudada, sob pena de frustrar as milhares de pessoas que buscam nele a reposta para seus problemas e dores.

Esse raciocínio é um sofisma que, se aceito, reduziria o Espiritismo, num prazo relativamente curto, a uma seita marginal, alternativa, como muitas que surgem e desaparecem.

Embora a afirmação de que a "a vida é mais importante que a verdade" pareça justa, em termos do cotidiano, ela é inócua e injusta ao longo do tempo. Principalmente se pretender cercear a busca da verdade como não apenas desnecessária, mas como instrumento da vaidade.

O Livro dos Espíritos é claro.

O conhecimento da verdade fertiliza o sentimento. Senão, transformaremos o consolo da doutrina, em apelo à conformação, ao aceitar como determinação divina e, portanto, irrevogável, todos os acontecimentos da vida terrena.

Se não negarmos o sentido punitivo da lei de causa e efeito, acabaremos por nos tornarmos esquematicamente deterministas, sujeitos ao destino e às condições que nos cercam.

A conformação como sintoma de aceitação de que forças mais altas nos dominam, cercearia todo o esforço de progresso, que poderíamos definir como a descoberta de leis naturais desconhecidas e a construção de novas formas de convivência, conforto e bem-estar.

Isso também nos cega diante da realidade. A hanseníase, por exemplo, é doença que persiste nos países subdesenvolvidos e está erradicada dos países desenvolvidos. Para justificar esse atraso, poderíamos usar o velho estratagema de que os Espíritos que aqui reencarnam ainda "precisam" dessa prova, enquanto os que lá encarnam já não necessitam desse aguilhão. A assertiva é um sofisma porque os habitantes dos países desenvolvidos não apresentam um comportamento ético sublimado, nem suas sociedades estão longe do crime, dos erros e da violência.

Nesse, como em outros casos, não precisamos criar uma explicação engenhosa para "salvar" a Justiça Divina. Em primeiro lugar, as condições sanitárias são básicas para o desenvolvimento de certas moléstias. Além disso, não dispomos de todos os elementos para fazer um julgamento realista das modificações do comportamento humano.

Devemos lembrar que coexistem, no fim do século vinte, esplendores científicos, tecnologias de ponta, projetos quase fantásticos para a informática, viagens interplanetárias, estudos adiantados sobre a natureza do universo, com a crença nas grandes cidades e países do primeiro e de todos os mundos, no vudu, na cartomancia, nas adivinhações e exotismos de toda espécie.

Esses segmentos oferecem a fantasia e a magia que milhares de pessoas cultuam no frenesi de resolver seus problemas sérios ou fúteis, através de sortilégios, rituais e práticas primitivas.

O Espiritismo precisa também definir o papel dos Espíritos na Doutrina Espírita. Aliás, Allan Kardec deixou bem clara a variedade dos graus evolutivos dos desencarnados, eliminando o fascínio sobre um suposto domínio ou sabedoria dos "mortos". Como ele, não podemos, sem dúvida, desprezar a participação dos espíritos na atualização e no progresso do Espiritismo.

Afinal, a doutrina nos abre os horizontes de uma compreensão sem fronteiras entre a vida física e a vida extra física, no meio da qual estão os fenômenos da morte e do nascimento, ciclicamente.

Entretanto, essa comunhão deve ser feita sem deslumbramento e com recíproco respeito e compreensão dos fatores determinantes das estruturas mentais e morais de cada um.

O Espiritismo só tem, pois, um caminho se quiser contribuir para a mudança do processo vivencial humano: dinamizar idéias, pesquisar novos caminhos, ousar na procura de entendimento mais coerente com as idéias da Justiça divina e da própria existência de Deus, atuando positivamente no plano, na vida cotidiana, não apenas das pessoas, mas das coletividades



Como mudar



Kardec estabeleceu a forma dessa atualização que deve ser contínua e constante, sem pressa e sem atraso, no seu tempo, maduramente.

Nem utopias, nem prepotência.

Coerência e integração com a cultura em andamento.

Firmeza de princípios e flexibilidade de entendimento.

Fora disso cairá na repetição. Fechado ao progresso, imobilizando-se, ficará para trás, retendo em seu seio e alimentando suas fantasias, multidões retrógradas, sempre à espera da intervenção do oculto para fazer, por elas, o percurso que inevitavelmente terão de fazer, ainda que perdendo o ritmo e a oportunidade de crescimento.



Delimitar o campo 


Kardec pretendeu que o espírita tivesse a mente científica.

Explico-me. Não quer dizer que ele desejou que todos os espíritas fossem cientistas. Mas que tivessem a mente como se fosse um deles, ou seja, capaz de aceitar que sempre se pode encontrar novos caminhos, penetrar mais a fundo em todas as coisas.

Um dos males que obstam o desenvolvimento do Espiritismo, é a pressuposição de que ele tem respostas para todas as questões.

Dada a impossibilidade de analisar, com base, as variadas e surpreendentes ações humanas, restou a prepotência de que se tinha um esquema pronto, um manual de respostas acabadas para cada tipo de problema.

Esse estratagema só serve para tumultuar as idéias e dispersar o trabalho de expansão da idéia espírita.

Precisamos lembrar que Kardec enfatizou que era "preciso não sair do círculo das idéias práticas," ou seja, evitar utopias, sonhos e pretensões eufóricas.

Creio que o primeiro passo para criar adeptos capazes de atender às exigências do fundador da doutrina será delimitar o campo de atuação doutrinária. Quer dizer, escolher os tópicos, conhecimentos, em que a doutrina pode contribuir de maneira ponderável. Os conhecimentos humanos evoluíram de tal forma que o generalista, o que conhece tudo não sobrevive.

O perigo, quando se defende a abrangência ilimitada do interesse espírita, será o dispersar de energias e abrir campo para afirmações exóticas ou sem fundamentos lógicos e científicos.

Não será mais produtivo aprender, como espíritas, a reflexionar, a filosofar?

Deveríamos, talvez, definir o Espiritismo como uma forma de humanismo, uma filosofia humanista, que se debruça sobre as relações do ser humano consigo mesmo e com o outro. Nesse campo, teremos ampla possibilidade de aprofundar nossos conhecimentos e pesquisas, pois isso envolve a natureza do ser em si mesmo, a comunicação mediúnica e a inserção do Espírito no processo evolutivo, a partir, naturalmente, da imortalidade.

Recordemos as palavras de Kardec:

O que hoje pode ser verdade amanhã pode ser mentira.

O imobilismo não faz parte do pensamento espírita.

Não rejeitar novas idéias e descobertas.

Para que incorporemos o progresso aos nossos princípios não precisamos e nem devemos rejeitá-los, nem enxertá-los com cientificismos ou misticismos, idéias espiritualistas ou esotéricas.


Artigo publicado no Jornal Abertura, nas edições de Junho, julho e agosto de 2013.

Um comentário:

  1. A mudança em nossas vidas é necessária mas difícil.Exige vontade e perseverança!

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