segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A ESTÉTICA E A CRÍTICA KARDECISTA - Por Roberto Rufo

A ESTÉTICA E A CRÍTICA KARDECISTA .


" Dizem que a filosofia começa no assombro e termina na compreensão . A arte parte do que foi compreendido e termina no assombro " ( John Dewey em " A Arte como Experiência " ) .

" Que tipo de ideias podemos formar de uma época se não olharmos para as pessoas que a viveram ? Se oferecemos explicações generalizantes , criaremos apenas um deserto e
chamaremos isso de história " ( Johan Huizinga em " O Outono da Idade Média " ) .

" A Igreja Católica , apóstólica , romana é a única instituição do período medieval que sobrevive até hoje " . ( Luis Fernando Veríssimo ) .


No ano de 2010 tive a oportunidade de ler dois livros muito bons e interessantes pelo seu conteúdo teórico. Um deles intitulado " A Arte como Experiência " de John Dewey , publicado pela primeira vez em 1.934 e resultado de uma série de palestras por ele ministradas na Harvard University sobre o mesmo tema. O outro livro tem por nome " O Outono da Idade Média " de autoria de Johan Huizinga, escrito em 1.919 e traduzido agora pela primeira vez em lingua portuguesa a partir do holandês.
Em " A Arte como Experiência " , um dos temas recorrentes para Dewey é que " a função da crítica é reeducar a percepção das obras de arte; ela é um auxiliar no processo de aprender a ver e ouvir. A crítica deve ser catalisadora , não judicativa . Caso contrário , em vez de facilitar a percepção , ela a bloqueia . É o indivíduo que tem uma experiência ampliada e intensificada que deve fazer sua avaliação por si mesmo " .
No livro " Obras Póstumas " , mais especificamente no capítulo " Influência perniciosa das ideias materialistas ", Allan Kardec tece críticas sobre as artes em geral e aponta sua suposta regeneração pelo Espiritismo . Parte do princípio de que as preocupações materiais substituem o interesse pela arte , pois esta estaria diminuída sem a presença da certeza da vida futura. Afirma que o sublime da arte é a poesia do ideal , e que esse só existe na região extramaterial. E questiona : " que inspiração pode trazer ao espírito a ideia do nada ? "
No posfácio do livro O Outono da Idade Média , o historiador Jacques Le Goff ao fazer uma análise da arte nesse período, sempre baseado no conteúdo do livro , aponta que durante algum tempo a Idade Média conseguiu integrar " o recalque numa certa liberdade dos sentidos . Isso foi possível porque o cristianismo medieval havia se revelado capaz de unir duas formas de religião : a religião popular e a religião dos letrados que é ou tende a ser uma religião racionalizada. Ora , no final da Idade Média , conclui , essa união se rompe. O que triunfa é a religião institucionalizada . Isso será ainda mais verdadeiro no século XVI , tanto no catolicismo quanto no protestantismo, com suas aspirações a uma vida sublime " .
Sendo assim a arte deve ser a expressão do divino . É do conhecimento de todos que esse sufoco só foi superado com o surgimento do Renascimento . Mas para as religiões , desde aqueles tempos, bem como para as ideologias surgidas no século XX, o mundo das representações artísticas pertence às superestruturas, aquelas providas de certezas universais . É justamente nesse erro que incorre Allan Kardec , ao afirmar que " a decadência das artes , no século atual , é o resultado da ausência de fé e de toda crença na espiritualidade do ser " ( Obras Póstumas , idem ) . Faltou a ele um olhar mais apurado para o modo de vida , a vivência das pessoas de sua época , enfim para as infraestruturas da sociedade . Sua crítica ainda está alicerçada no paradigma medieval ( fato comum em sua época) onde a arte deve ser a expressão do sublime que já existe, está colocado, faltando apenas ser " descoberto " . O Espiritismo teria essa missão estética .
Percebam , como é difícil ser um espiritualista renovado e ao mesmo tempo estar livre das amarras da religião .
Mais adiante Kardec faz uma afirmação que explicita sobremaneira o seu pensar sobre como a arte deve se comportar: " é matematicamente exato dizer que , sem crença, as artes não têm vitalidade possível, e que toda transformação filosófica arrasta, necessariamente , uma transformação artística correspondente " ( Obras Póstumas , idem) . Esse tipo de arte jamais termina no assombro como preconiza Dewey , pois não passaria de uma mera cópia do Perfeito. Interessante que no século XX o nazismo , o fascismo e o comunismo ( meu Deus , quanta bobagem o ser humano já foi capaz de criar ) , também pensavam a arte a reboque, a serviço da causa ideológica . Não é muito diferente . Kardfec profetiza que " assim como a arte cristã sucedeu a arte pagã , transformando-a , assim a arte espírita será o complemento e a transformação da arte cristã " . ( Obras Póstumas , idem).
Indago : seria a arte espírita capaz de eliminar o preconceito , notadamente no campo reencarnacionista? Estaria apta a ultrapassar muralhas decorrentes dos hábitos e costumes, enfim de tornar o mundo um lugar melhor para se viver? Seria capaz a arte espírita de vivenciar uma fase de protesto e depois se obter uma reação compensatória? Não creio , pois em geral as artes espiritualistas, bem como as ideológicas, eliminam de antemão o " experimental humano ", pois partem de algo já dado . Esse experimental humano nas felizes palavras de Jacques Le Goff " é tudo aquilo que a pessoa constrói no plano da afetividade , da emoção e com seu consequente redescobrimento ". ( O Outono da Idade Média , idem).

Publicado Originalmente no Jornal Abertura - Abril 2011.
Para assinar ou obter números avulsos do Jornal entre em contato pelo email: ickardecista1@terra.com.br


Roberto Rufo .

Um comentário:

  1. Cada número avulso custa R$4,00 pode ser adquirido no local ou por email - se quiser receber por correio acrescentaremos o custo do mesmo.

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